domingo, 30 de junho de 2013

os nossos super-poderes e os super-poderes deles



Sábado. Arraial do Colégio.

35 graus à sombra.

Cadeiras para os pais perfiladas ao sol.

Aprendo diariamente que a paternidade confere ao ser humano alguns super-poderes. Um deles é o de conseguir atingir um elevado grau de felicidade enquanto assiste de câmara em punho, a destilar (toda e qualquer gota de água do seu ser), a um 'Bailinho da Madeira'.

A terra gira, a bem da saúde dos presentes, pelo que, com o avançar do números vai também avançando uma ténue sombra das árvores circundantes.

Fim do espectáculo. Trintões e quarentões, carregados de orgulho nos seus descendentes, procuram o caminho para as barraquinhas das bebidas frescas.

As crianças têm, aparentemente, outros super-poderes. Exemplo: dançar e cantar sob um sol abrasador e conseguir acabar com fome em vez de sede.

"Mãe, quero comer qualquer coisa..."

Vasculho a mala em busca dos dois blocos de 10 senhas que comprei à entrada... nada. Devem estar com o André que entretanto teve de sair para ir buscar o Tommy a um jogo. Acrescentar à lista de super-poderes: jogar futebol, sem obrigação, na tarde mais quente do ano. Meu reino por uma mini fresquinha. O meu reino não existe. A mini tem de esperar.

"Mas eu tenho muita fome..."

"Vamos lá comprar mais senhas, então..."

"Senhas?! Mas eu queria comer outra coisa!"

Lá percebeu que as 'senhas' não eram para comer. Trocou-as por bolinhos de bacalhau. Só ao quinto é que pediu água.


Errata:
'... dançar e cantar sob um sol abrasador e conseguir acabar com vontade de comer bolinhos de bacalhau...'

quinta-feira, 27 de junho de 2013

school's out for summer




Véspera do último dia de aulas. A excitação é evidente e incontrolável. A súbita subida das temperaturas veio colorir ainda mais aquele que é o melhor cenário do mundo: ter as férias de verão todas pela frente. Por mais rápido que, entretanto, acabem por passar, naquele instante, naquela véspera, parecem eternas.

Os uniformes já se atiram para o balde da roupa suja num gesto de despedida pois só vão voltar a ser precisos depois do verão. E o ‘depois do verão’ está, hoje, muito, muito, muito longe.

Não há nada que supere a expectativa da chegada iminente das férias grandes.
Se me permitissem voltar à infância por uns dias não tenho dúvidas que os momentos que gostaria de reviver seriam exactamente esses. Máquina do tempo; programar; 21-06-1985; 21-06-1986; 21-06-1987… e recuperar a sensação de ter na mão um verão inteirinho, para aproveitar, sem responsabilidades e sem preocupações. 

Não tenho a máquina do tempo mas tenho os meus meninos que me permitem voltar a sentir um bocadinho desta magia.

Boas férias!

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Preschool Graduate Ti!



Parabéns Tiaguinho, hoje que terminas a tua primeira grande etapa. Passou rápido. Demasiado rápido. 

Para o teu ‘livro de curso’ do pré-escolar:

Não há detalhe, por mais pequenino
Que passe ao lado do nosso menino
É tão perspicaz e tão ponderado
Sempre racional e organizado

Já sabe contar até aos milhões
Joga com somas e subtracções
Tem bom coração, é doce e gentil
Já é finalista da infantil!


Um beijo enorme da mãe. 


quarta-feira, 19 de junho de 2013

porque hoje é quarta...



Faça sol ou faça chuva a Dona Maria chega com a nortada da tarde todas as quartas e sextas. Faça sol ou faça chuva, faça calor ou frio a Dona Maria chega na sua Famel Zundapp com um sorriso aberto nas faces rosadas. 

A Dona Maria já dobrou o meio século mas o tempo não dobrou a Dona Maria. O trabalho não a aflige. O seu vernáculo poveiro é gentil. Canta, ri e assobia com uma meninice travessa que faz parecer fácil a vida difícil que tem.  

A Dona Maria não é dada a 'modernices'. Chama 'lousa' ao meu iPad e acha um disparate que eu venha de tããão loooonge todos os dias: “Cansa-se menina. Anda sempre a correr…”

A Dona Maria não corre. Os ponteiros do relógio parecem girar calmamente à mercê da sua disposição.

Há tempos, o Tiago esteve com a Dona Maria aqui no escritório. Nesse dia disse aos irmãos:

“Eu sou o único que conhece a Dona Maria!”

“Quem é a Dona Maria?”

“É uma miúda do trabalho da mãe.”

A Dona Maria é uma miúda aos olhos de um miúdo. Porque o tempo passa mas só nos consome se nós deixarmos. 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

sometimes



Hora de ir para a cama. A televisão ainda está em modo infantil. Ruca, para não variar. Bem, antes o Ruca que uma gordalhufa oxigenada a dizer obscenidades acompanhada do Kapinha e do Tino de Rans. Antes o Ruca que o Dancing Days. Antes o Ruca que as marchas de Santo António. Antes o Ruca que o Bagão Félix a teorizar sobre a nossa triste realidade. Antes o Ruca que o MasterChef ou uma qualquer série de investigação criminal. No fundo, no fundo, o Ruca não é assim tão mau. O Ruca fala da irmã mais nova:

“Esta é a minha maninha Rosita e eu gosto muito dela!”

“Estás a ver Ti? O Ruca gosta muita da mana. Tu também gostas muito da tua, não gostas?”

“Só às vezes, mãe. A Rosita porta-se sempre bem. A Teresa não.”

“Não digas isso…”

Neste preciso momento aparece a Té, equipada para dormir. Por equipada entenda-se, além do pijama e da chupeta, carregada com tudo aquilo que pretende levar para o colégio no dia seguinte. Lista do dia: um swatch ‘pink’, um nokia avariado ‘pink’, um livro de colorir, uma prancha de bodyboard da Pequena Sereia, um guarda-chuva do Panda (aberto…) e uma cesta com uma meia dúzia de itens que, à partida, não consigo identificar.

O Ti aponta para a Rosita no ecrã e depois para a irmã. Encolhe os ombros e abre os braços num gesto de evidência.

A Té franze o sobrolho o olha-o de soslaio. Uma mão na prancha e outra no guarda-chuva impedem a costumeira 'mão na anca'. Afago-lhe a franja a precisar de ser aparada:

“O Tiago gosta de ti, Té. Sempre, mesmo que por vezes diga o contrário. Vamos lá arranjar um modo de encaixar esta tralha toda na tua cama.”

Afastamo-nos. O Ti mantém-se vidrado na televisão. Enquanto tento convencer a Té a fechar o guarda-chuva, ouço-o murmurar entredentes:


“Gosto às vezes. às vezes…”


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Livra!...



O Tiago está na fase de tentar ler tudo quanto é outdoor. É bom pois enquanto olha para fora da janela do carro perde a oportunidade de controlar o velocímetro, o que torna, em simultâneo, as viagens mais céleres e os nossos nervos menos exaltados.

“Sa…pa…ta…ri…a… Sapataria! O que é uma sapataria, pai?”

“Uma sapataria é, como o próprio nome indica, uma loja onde se vendem sapatos.”

“Ah…ok.”

Fascinantes, estas idiossincrasias sub-6. Sabe que o Taj Mahal é na Índia, que a Rússia é o maior país do mundo, que a Mona Lisa foi pintada por Leonardo da Vinci e, por outro lado, chama ‘padaria de frango’ ao talho e não sabe o que é uma sapataria.

“Ti, vê lá se sabes o que é uma livraria.”

“Li quê?”

“Li-vra-ri-a… um sítio onde…”

“Onde as pessoas se livram do dinheiro?...”



terça-feira, 4 de junho de 2013

as nossas e as vossas barrigas



À saída do banho a conversa gira em torno de ‘barrigas’.

“Já viste a minha barriga Teresinha? É maior do que a tua. Sou mais crescido!”

A Té apoia as mãozitas sobre o estômago e sorri:

“A mia baíga é piínina.”

“E a da mãe já foi gigante! Quando estávamos lá dentro.”

“A Té piínina, o Ago piínino e o Ma piínino na baíga gaaaaande da mãe?...”

Tenho para mim que a Té está convencida de que os bebés Teresa, Tiago e Tomás (‘Té’, ‘Ago’ e ‘Ma’ 'piíninos' em Teresês) não são o passado recente dos próprios mas sim uns serezitos que passaram cá por casa e que foram despachados para darem lugar ao trio maravilha.

Explico que todos estiveram na minha barriga, mas, um de cada vez. O Tiago ajuda:

“Primeiro foi o Tomás, em 2002. A barriga da mãe esticou muito até ficar enoooorme. Depois eu, em 2007. A barriga da mãe voltou a esticar muito, muito, muito. Depois tu, em 2010. Foi a última vez que a barriga da mãe esticou.”

“Isso mesmo, Ti. Muito bem.”

Aguardo um “Esticou tanto, tanto, tanto e voltou a encolher! Incrível não é?”. Mas não. Com o pragmatismo que o caracteriza, levanta-me a t-shirt e espeta o indicador no meu pneu pré-quarentão:

“Estás a ver Teresinha? Foi por ter esticado tanto que a barriga da mãe ficou assim… um bocadinho grande.”

Com a minha auto-estima no chão puxo a t-shirt para baixo e tento acabar com a conversa. O Ti ainda teoriza:

“Já imaginaste se a mãe tivesse mais bebés? A barriga ia ficar ainda pior.”

A Té sorri e volta a abraçar a sua barriguinha linda:

“A mia é piínina!”

Mas o Ti não a poupa e vai avisando:

“Quando fores crescida e tiveres bebés a tua barriga vai ficar como a da mãe. Eu e o Tomás temos mais sorte. E sabes que mais?”

Não, Tiago. Não sabemos, nem queremos saber. Ligo o secador no máximo para que o seu ruído engula as verdades que teimam em sair-lhe pela boca fora.



segunda-feira, 3 de junho de 2013

summerstress



Sábado, 1 de Junho. Fim de tarde. Os mais novos estão num estado de excitação fora do comum motivado pelo primeiro dia de calor, sol e piscina. Tento, com esforço, vestir o Tiago enquanto ele se entretém a levar os nervos da irmã ao limite. Fá-lo como ninguém. A Teresa, por seu lado, grita como também só ela o sabe fazer.

A minha cabeça está prestes a explodir:

“Tiago, vais levar uma palmada nesse rabo!”

Tão depressa o digo como o faço. A Teresa cala-se e sai porta fora, com a conveniência que lhe assiste assim que percebe que o meu mau feitio pode sobrar para o seu lado.

O Ti está parado em cima da cama. Fita-me muito sério com aquele semblante indignado que usa sempre que alguém ousa não cumprir uma regra:

“Então dizes-me que VOU levar uma palmada, e JÁ APANHEI!?!?”

“Tens razão, Ti. Para a próxima não aviso.”