quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Early morning



O alarme do telemóvel toca no exacto momento em que me preparo para começar o exame de Análise Matemática II. Suspiro de alívio. Tacteio a cabeceira da cama em busca do aparelho buzinante e carrego no snooze. Enfio a cabeça na almofada e caio no sono. Estou num palacete Arte Nova a fugir de um urso panda quando o alarme me salva mais uma vez. Volto a premir o snooze mesmo correndo o risco de ir parar à base de um vulcão em erupção. Levanto-me, a custo, ao quinto ou sexto toque. Está frio. Olho as horas. É tarde! Enfio uma camisola de lã por cima do pijama e disparo para o quarto do Tommy.

“Acorda! Acorda! Já passa das sete e meia! Tens aqui a roupa. Veste-te rápido. Se não nos despachamos chegamos outra vez atrasados! Vou chamar os teus irmãos!”

“Mãe…”

“Sim, filho.”

“Não está um bocado escuro demais para sete e meia?...”

Está escuro, é um facto, mas amanhece tarde nesta altura do ano. Raio da hora de inverno, não me consigo habituar a ela. Encosto o nariz ao vidro gelado. Não se vêem carros na rua. Isso já é estranho. Agarro o telefone do rapaz que está pousado na secretária. Ele tem razão. Está escuro para sete e meia pois ainda faltam quase duas horas para as sete e meia.

“Volta para a cama. Desculpa ter-te acordado.”

Dou-lhe um beijo na testa, apago a luz e corro de volta para o aconchego dos lençóis. Acerto as horas do meu telefone e, antes de mergulhar numa longa-metragem digna de uma matiné do Fantasporto, prometo a mim mesma não voltar a adiantar o relógio em troca de um punhado de vidas no CandyCrush.



quarta-feira, 19 de novembro de 2014

We wish you a merry speedy Xmas


Para o Ti, a qualidade de um músico mede-se pela velocidade a que este consegue debitar as notas que estão na pauta. Não há cá preocupações com tempos nem necessidade de metrónomos. Quantos mais sons por segundo, melhor. É uma pena não ter à mão o meu velho gira discos. Aposto que o rapaz se ia deliciar com a opção de 45 rotações.

Cada vez que chego a casa lá está ele, agarrado ao seu piano digital portátil, empenhado em tocar cada vez melhor (entenda-se mais rápido) aquilo que vai aprendendo nas aulas de música.

“Mãe! Vê como toco bem esta!”

“Muito bem! Parabéns!”

“Agora mais rápido!”

“Boa. Estás a evoluir.”

“Ainda mais rápido! Ouve lá!”

“Muito rápido, de facto. E se pusesses os phones?”

“Se puser os phones vocês não ouvem. Não é essa a ideia pois não?...”

“Claro que não, Tiaguinho. Acelera aí, mais uma vez.”

O meu pequeno Jerry Lee Lewis anda, por estes dias, em modo Natal. Diz que está a preparar um concerto para a noite de consoada. Diz que vai precisar do acompanhamento do Tommy na guitarra e da Té na voz. Diz que tem receio que eles não consigam acompanhar a sua velocidade. Eu digo que é bem capaz de acontecer. Seja como for, aguardo com entusiasmo pelo espectáculo.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Beckham



Chegaste numa  fria noite de Outono, a um par de anos da viragem do século. Foste dos últimos a nascer e eras encantadoramente diferente de todos os outros. No lugar das malhas negras tinhas salpicos dourados. Quem já tenha criado cachorros sabe que a regra número um para não se sofrer com a partida destes é olhar uma ninhada como um todo. Um todo a quem devemos dedicação e atenção no que respeita à sua saúde, higiene e alimentação. Um todo a quem devemos a procura de um conjunto de futuros donos capazes de lhe proporcionar uma vida feliz. Nunca individualizar. Nunca dar nomes. 

Chamei-te Beckham. Ficaste. 

Revelaste-te um bicho fantástico. Meigo. Simpático. Sereno. Obediente. Podíamos levar-te connosco para todo o lado. Contigo estava sempre tudo bem. Nadavas como poucos e mergulhavas na primeira piscina que aparecesse. No ténis eras o apanhador de bolas de serviço. Também tinhas os teus defeitos. O teu hálito era assassino. Odiavas trovoadas. Irritavas-te com gatos. Gostavas de explorar o desconhecido e partias à aventura sempre que apanhavas um portão aberto. O teu fraco sentido de orientação não te permitia regressar por ti. Com mais ou menos horas de sono perdidas, mais ou menos cartazes espalhados pelas ruas, acabávamos sempre por te encontrar. Regressavas exausto e carente, fingindo não ter intenção de repetir a façanha. 

Entraste na minha vida quando eu estava a entrar na idade adulta e estiveste presente em todas as grandes etapas. O fim do curso. O primeiro trabalho. O André. A mudança para o apartamento. As crianças. Aceitaste a chegada do Tommy, do Ti e da Té sem o mais pequeno sinal de ciúme ou ressentimento. Até à irascível gata Glória deste espaço para que pudesse fazer parte da família.

Partiste durante o sono, numa fria tarde de Outono, dezasseis anos depois de teres chegado. 

O Ti acha que foste um sortudo por teres vivido tanto tempo. Eu sei que o Ti tem razão mas isso não me serve de consolo nem preenche o vazio que deixaste. Uma parte de nós partiu contigo, para sempre. 

Descansa em paz, querido Beckham. Foste o maior dos cães.



















terça-feira, 28 de outubro de 2014

Santa won't take my dummies.



Era uma vez uma jovem mãe que passava horas infindas a embalar o seu bebé para que ele caísse no sono. O bebé desistiu da chupeta logo nos primeiros dias e ninguém tirava da cabeça da mãe que a sua falta de insistência para que este  mudasse de ideias tinha sido a origem de uma luta diária com o João Pestana que se prolongou por um bom par de anos. 

Quando chegou o segundo bebé, a mãe, ao ver que este também não mostrava grande interesse na chupeta, sem vontade nem força nos braços para voltar à mesma rotina, correu a comprar chupetas de todos os tamanhos e feitios para assegurar que, qual sapatinho de cristal no pezinho da Cinderela, uma delas havia de servir na perfeição e garantir a todos um serão tranquilo. Assim foi. A eleita foi uma Chicco azul e verde, com tetina anatómica em borracha, a primeira de todas as chupetas que o segundo bebé usou incansavelmente até ao momento em que, já não sendo propriamente um bebé,  marcou estoicamente no calendário o dia em que largaria de vez a chupeta. 

Enquanto isso chegou o terceiro bebé, uma bela princesinha, que não só aceitou a primeira chupeta que lhe foi apresentada como dormiu como um anjo, à hora certa, desde a primeira noite. A data marcada no calendário chegou, a promessa foi cumprida e a princesa apressou-se a declarar como suas todas as chupetas abandonadas pelo irmão. A mãe não se opôs convencida de que mais cedo ou mais tarde a sua bebé, já menina, chegaria à conclusão de que já não precisava da sua "pê".

Os anos passaram-se sem o mais pequeno sinal de que a menina quisesse livrar-se da chupeta. Era o dentista que avisava que os seus belos dentinhos iam ficar tortos, eram os meninos mais pequenos que exclamavam "óia aquela menina com pêta!", eram as zonas e horas de uso proibido de chupeta inventadas pela mamã, nada a demovia de, sempre que podia, se pavonear de chupeta na boca e chupeta sobressalente no bolso. 

Até ao dia em que uma mamã de uma amiguinha apresentou aquela que parecia ser a derradeira solução para o problema:

"Entregas as tuas chupetas ao Pai Natal e no dia de Natal ele deixa-te debaixo da árvore um presente por cada uma das chupetas!"

A menina procurou todas as chupetas que tinha espalhadas pela casa e, com entusiasmo, mostrou  à mamã um caixa com onze chupetas. A mamã fez uma grande festa e perguntou à menina se ela estava contente por saber que ia receber onze presentes do Pai Natal ao que a menina respondeu:

"Onze é muito. Dez presentes chegam. Vou ficar com esta que é a minha preferida!"

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Jogos fora



Uma mãe de um futuro campeão tem, entre muitos outros requisitos, de estar preparada para semana sim, semana não, encontrar campos de futebol no mais recôndito dos lugares. A saber:

Tem de ser capaz de manter o sangue frio quando tudo falha: quando o GPS fica verde, quando as folhas que o pai tirou do google maps indicam estradas que estão cortadas para obras, quando a sexagenária a quem pede indicações lhe diz carinhosamente “Para o campo do Valadares? Ai filha que vais tão mal!...”

Tem de sorrir ao transeunte que, apesar de não fazer a mais pequena ideia de como chegar ao campo de jogos de S. Pedro de Fins e mesmo estando a chover a potes, arrasta do interior de uma tasca seis amigos para virem ajudar. Tem de aguardar, com a água a entrar pela janela dentro, que o senhor e os seus ruidosos camaradas tentem chegar a um consenso quanto ao melhor caminho. Tem de fazer de conta que percebeu as sete indicações diferentes, desejar a todos um bom resto de fim-de-semana e seguir rumo ao desconhecido.

Tem de ficar grata pela boa alma que se predispõe a ir de carro à sua frente guiando-a até ao campo do Trofense quando afinal o jogo é na Paradela.

Tem de aprender não só a chegar ao campo no mais recôndito dos lugares como a conseguir regressar ao mesmo, findo o tempo de jogo, sem andar uma hora às voltas, perdida por montes e vales.

Tem de conseguir justificar o injustificável a um ‘mister’ incrédulo perante tamanha falta de orientação.

Estou longe mas acredito que estou no bom caminho. Prometo continuar a tentar. Semana sim, semana não.


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Flower power



As plantas não têm vida fácil cá em casa. O nosso pequeno ecossistema doméstico apresenta gravíssimas falhas no que toca à flora. Eu esforço-me, juro que me esforço, mas a coisa corre sempre do mesmo modo:

Chegada de planta linda e resplandecente → diminuição gradual de flores e folhas → transformação dos caules em pequenas estacas secas → morte ou partida de planta moribunda para casa de uma das avós → regresso de planta recuperada → diminuição gradual de flores e folhas → transformação dos caules em pequenas estacas secas → morte ou nova partida para reabilitação.

Há quem diga que é água a mais, há quem diga que é água a menos. Há quem diga que é a luz. Eu não sei que diga. Há muito que já desisti de comprar plantas de interior e me rendi às SMYCKAs e FEJKAs que custam até 4,99€ e duram uma vida inteira.

Sedenta de flores naturais mas consciente das minhas limitações decidi dedicar-me exclusivamente a plantas de exterior (por si só mais resistentes a todo o tipo de mau trato ou negligência). Palavras da senhora do horto “Num tem que saber menina, água quanto baste, luz quanto baste, dá-lhe flor duas bezes ó ano”. Contra as minhas expectativas lá o consegui. O difícil foi o ‘duas vezes ao ano’ por mais do que um ano. O verão mostrou-se sempre implacável com as minhas azáleas obrigando-me, todos os anos, a regressar ao horto e a comprar novas plantas e novos sacos de terra para restituir a frescura e a cor às áridas floreiras da varanda. Até este ano. Era fim de tarde. Tinha chovido. O céu estava tingido em tons violeta e alaranjado. Eu estava debruçada na janela da cozinha a tirar a roupa molhada do estendal quando a vi. Linda. Carregada de cor. Um rasgo de alegria por entre as folhas tristonhas e as ervas daninhas.

“Meninos!!! Venham ver! As azáleas da varanda estão a florir!”

Vieram. Olharam as floreiras. Olharam-me de volta com condescendência. Percebo-os. Era só uma flor minúscula. Uma flor minúscula, aparentemente insignificante,  que eu sabia ser a primeira de muitas que viriam a desabrochar. Assim foi. Pela primeira vez, a minha varanda ganhou vida com a chegada do outono. O mérito não foi meu, eu sei. O mérito foi do verão que não existiu. O mérito foi dos dias cinzentos que nos fizeram ficar em casa quando queríamos ir à praia. Mas, o que lá vai lá vai e lá que as azáleas estão um encanto, lá isso estão. 


terça-feira, 7 de outubro de 2014

love is in the air



“Então Ti, como correu a visita ao Jardim Botânico?”

“Bem. Tenho uma novidade!”

“Conta lá.”

“O M. está apaixonado pela M.”

“A sério?”

Não se pode dizer que o rapaz  não tenha bom gosto. A M. é, talvez, a menina mais bonita e mais simpática da sala do 1º ano.

“E a M.?”

“Também está apaixonada pelo M. Está ainda mais apaixonada por ele do que ele por ela. Está tão apaixonada que queria casar já amanhã, em Espinho.”

“Não acredito!”

“Pois. Não dá mesmo para acreditar… como se fosse possível casar assim, sem tempo nenhum para os ‘preparamentos’ da festa.”

domingo, 28 de setembro de 2014

Atchim!



Ele entrou no quarto, com a sua cara fechada e os olhos meigos escondidos sob as fartas sobrancelhas. Sentou-se na borda da cama e afagou a dobra do lençol branco. Lançou um olhar zangado ao termómetro, às gotas e aos xaropes dispostos em cima da mesinha de cabeceira.

“Outra vez doente?”

“Sim, avô. Mas não te preocupes, é só (mais) uma amigdalite. Daqui a uns dias volto para a escola.”

Não fossem as palavras que se seguiram e este episódio não se teria mantido vivo até hoje na minha memória, tantas eram as vezes que eu estava de cama e recebia a sua visita. Chegava sem pressa, com o jornal debaixo do braço. Fazíamos juntos as palavras cruzadas. Nessa manhã, pegou-me na mão e, com a candura e a honestidade que só ele tinha, constatou:

“Tu não prestas rapariga, tu não prestas…”

O meu avô Delfim tinha razão. Tivesse nascido no seu tempo e não tinha chegado à idade adulta. O meu avô não viveu para me ver casar com o homem da minha vida, também ele pouco resistente a gripes e constipações. Não viveu para conhecer três lindos bisnetos que não escaparam à carga genética e são infalivelmente vencidos pela primeira aragem fria de outono. Que pena tenho, avô, de não te ter por cá para te ouvir dizer-lhes com ternura "vocês não prestam rapazes, vocês não prestam."

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sing a song



Eu tenho um problema com músicas para crianças. Se, na qualidade de jovem mãe, tivesse sido submetida a uma avaliação formal de desempenho eu teria falhado redonda e repetidamente a matéria “cante para o seu bebé". Por mais que tente, com um bebé no colo, o melhor que consigo fazer é trautear a clássica “abc song”. Qualquer outra canção infantil afoga-se-me na garganta antes de sair. As tradicionais deprimem-me. Não que eu tenha tido uma infância infeliz, longe disso, mas há nas canções do meu tempo uma  clara transversalidade de infortúnio: é um barco que se vira, um balão que foge, uma bola que se perde, uma machadinha que é injustamente atirada para o meio da rua, molhos de plantas que provocam irritações oculares, um malvado dum barqueiro que não dá passagem a uma mãe com filhos pequeninos para criar… enfim, um sem número de tristezas que me dão, ao menos, uma justificação moral para me escusar de as cantar. Quanto às musiquinhas actuais… bom, para essas não tenho, efectivamente, grande desculpa. Irritam-me, porque sim. E eu culpo-me por, mesmo conseguindo ver que são pedagógicas, alegres e construtivas, continuar a achá-las terrivelmente enervantes. Os meus filhos não têm culpa que eu sofra de falta de paciência crónica por isso tenho vindo, ao longo dos anos, a delegar no youtube e no leitor de cds do carro a função “cantar músicas infantis”.

Há tempos, numa ida à Feira do Livro, a Té quis comprar o livro/cd “As canções do Alfa”.

"Tu gostas do Alfa, Té?"
"Sim, góto muito do Alfa e da Zuna! E os meus amigos tamém!"

Espreito as primeiras páginas. O Alfa desceu na escola no seu disco voador, amarelo como o sol, a brilhar cheio de cor. Ele salta a fazer contas, e lê a fazer o pino. Deve ter comido livros quando era pequenino. A Té mostra-me a última, onde está a dita Zuna. A Zuna nasceu bem longe, num planeta extravagante, e passeia de girafa com cabeça de elefante. Parece engraçado. Dou uma rápida vista de olhos ao livroUma canção para cada letra e para cada número. Boa. Toma Tété, o teu livro do Alfa. Ouvimos o cd quando chegarmos ao carro.

Nesse dia ouvimos cinco vezes o hino do Alfa, vinte vezes a música da Zuna e chegámos ao destino sem ter entrado nas canções didácticas. Na manhã seguinte o livro seguiu para o colégio e não mais o vimos. O desaparecimento das canções do Alfa foi lamentado durante todo o verão até o avô o ter descoberto esta semana no porta luvas do carro.

"Teresinha!!! O Alfa apareceu!! Vais poder finalmente ouvir o cd todo!"

Na maior das boas vontades ponho o cd a tocar. Os miúdos escolhem letras e eu vou procurando as músicas respectivas.

"Letra B!"
 O balão da Beatriz... às nuvens foi parar. 

Uma criança está feliz com o seu balão até que o inevitável acontece e... onde é que eu já ouvi esta história?... ressalve-se a inovação de, nas músicas do Alfa, termos um elemento que resgata (potencialmente) o balão... é um pássaro? é um avião? o super-homem? nada disso:

Ai chamem os bombeiros para o irem buscar.

Os bombeiros. Toda a gente sabe que os bombeiros são espectaculares a apanhar balões. Ou não. Mas o que é que, começado por b, poderia apanhar um balão? Um besouro? Muito pequeno. Um beija-flor? Eles não sabem o que é um beija-flor. Ok Alfa, que seja o bombeiro.

"Oh mãe, essa é parva. Os bombeiros não conseguem apanhar balões."
"Pois não meninos, pois não. Deixem lá. Vamos à próxima."

"Letra D!"
O Damião por desporto, joga dados, dominó. E para fazer dieta, são doces e pão de ló.

???

"Escolham outra."

"Letra F!"
O Filipe foi nas férias para a ilha do farol. 

Filipe, férias e farol. Três palavrinhas começadas por f, nenhuma metida a martelo. Boa, Alfa. Esta já não me parece nada mal. Não continuasse com:

Ia lá pescar fanecas para depois fritar ao sol.

Letra H:
O Hélio quis agarrar a hiena no matagal. Levou valente dentada, foi parar ao hospital.

Ponto um: nenhuma criança se lembraria de tentar agarrar uma hiena. Ponto dois: as hienas vivem na savana, não na mata ao virar da esquina. Hi-po-pó-ta-mo não teria sido mais bem escolhido, caro Alfa?

Eu continuo, alfabeto adiante até ao momento em que percebo já ser a única ocupante do automóvel a prestar atenção às canções. 

Letra P:
A Petra põe-se ao piano, parece uma pianista mas, se uma pulga lhe pica, pára de ser uma artista.

Volta bom barqueiro. Estás perdoado. 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Castelos de areia



Os meus filhos gostam de fazer castelos de areia e importa salientar que é das poucas actividades em que conseguem empenhar-se juntos por mais de dez minutos sem que se engalfinharem. O Tommy é o homem das pontes, dos muros altos e de outras construções em grande escala. O Ti é o homem dos detalhes conceptuais e dos pormenores decorativos. A Té como elemento feminino do trio é a que menos faz e mais ordens dá.

Ao contrário dos meus filhos eu não gosto de construções na areia. Não que não goste de trabalhos manuais. Dêem-me um quilo de massa de açúcar e eu construo o que me pedirem. Passem-me uma embalagem de plasticina e eu fico entretida durante horas. Areia,não obrigada.

Ao contrário de mim (e para minha grande sorte) o André gosta de fazer castelos de areia. Conhece as técnicas de construção. Sabe o que fazer para garantir que a obra se mantém intacta até ao final do dia. Possui o carisma e o espírito de liderança necessários para assegurar o sucesso de cada empreitada.

Hoje estão a construir uma cidade. O Ti  decretou que é Gaia. Estão neste momento a fazer o Corte Inglês. Acho que tenho tempo para dormir uma sesta. Acordem-me quando estiverem perto do Parque Biológico.


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Summer days


Pão com manteiga para o Ti. Check.  Chipicao para a Té. Check. Check nada pois para a minha filha o chipicao não é mais do que um bónus que acompanha uma tattoo surf collection. Uma tattoo e uma sandes de pão de forma para a Té. Check. Bananas para o Tommy. Check. Água. Check. Toalhas. Check. Cremes. Check. Livro. Check. Pás e baldes. Check. 

Prontos? Não. Falta lavar os dentes. Falta passar uma escova nesses cabelos. Té, pára quieta. Queres duas trancinhas? Como a Anna? Seja. Vai ver ao espelho como estás bonita. Pena a franja estar tão comprida. Vieram ganchos? Não. Puxa para o lado, para não te tapar os olhos. Resulta? Não. Vamos andando, eu e a Té. Esperamos por vocês junto ao minimercado.


"Bom dia, tem ganchos para o cabelo? Não? E tesouras?" Sim, é uma opção surpreendente mas preciso de resolver o problema da franja da criança antes que lhe arranje um problema de visão. "Só tem tesouras das unhas?"  Venha uma. Té senta aí na sombrinha para a mãe aparar a franja. Não te mexas que isto não corta nada bem. Olha para mim. Não está mal. Vamos cortar só mais um bocadinho. Pronto, estás perfeita. Ou não, mas podia estar pior. 

Olha, lá vêm eles. Pais, meninos e tralhas. Check, check, check. Calor e céu azul. Check, check. Absolutely ready for another happy summer day.

domingo, 31 de agosto de 2014

What goes down also come up


Após cento e cinquenta "falta muito para chegarmos?" estacionamos em frente à recepção. O André vai tratar do check in enquanto eu fico com o gang junto à carrinha. Discutem, como de costume, mas eu não me importo de tão inebriada que estou com este ar quente e este cheirinho a verão que só o algarve tem.

"Chegámos? É aqui a nossa casa? Qual é a nossa? É perto da piscina?"

"Não sabemos, o pai já vê, no mapa do aldeamento."

O pai aproxima-se e estende-me o dito do mapa. Observo a folha A4 onde está traçada uma linha com início no ponto em que nos encontramos e com fim... no limite da folha. O André franze o sobrolho e estende-me uma segunda folha... a continuação do mapa. Boa, estamos nos confins.

"Então, já sabemos qual é a nossa casa? Mostrem, mostrem!"

O André não mostra. Agarra nos papeis e volta para dentro.

"Onde vais André?"

"Trocar a casa."

Os miúdos correm atrás, confusos.

"Vais trocar a casa porquê pai? Ainda nem a vimos!"

Sento-me no sofá da recepção e faço por distraí-los com uns panfletos de aquaparques enquanto o André fala com um funcionário que está com cara de quem não nos vai fazer favor nenhum. Vejo o homem abanar a cabeça. Ouço-o dizer que, pelo menos hoje, é impossível. Amanhã, talvez.

Aproximo-me.

"Vamos lá ver, André. Pode ser que não seja assim tão longe."

"Joana, olha para o mapa. É a milhas da entrada. Não vai dar para ir a pé para a praia."

Observo a bela da maquete gigante que está ao lado do balcão. Olho o mapa e tento encontrar a nossa localização na maquete. O nosso edifico está para lá, muito para lá dos limites urbanizados da representação 3D. A maquete representa a fase I e nós fomos parar à fase III. Não há cheirinho de algarve que me anime neste momento.

O funcionário da recepção força um sorriso:

"Podem sempre vir de carro até aqui e depois seguem a pé..."

Forço um sorriso de volta e despeço-me.

"Meninos, entrem no carro. Vamos ver a casa!"

É longe, efectivamente. Longe o suficiente para nos encorajar a descarregar e carregar as tralhas duas vezes em menos de 24h.

"Então mãe? É esta a nossa casa ou não?"

"Hoje é esta. Amanhã mudamos para outra."

"Mas eu gosto desta!"

"A outra é igual."

"Se é igual porque é que vamos mudar? Gosto desta. Prefiro ficar aqui."

Vinte horas e cento e cinquenta "não quero mudar" depois estamos a descarregar as malas na nova casa.

"É aqui mae? É esta a nossa?"

"Sim. É aqui. Igual à outra. Num sítio bem melhor. Mais, esta tem jardim. Um bocadinho inclinado, mas dá para brincar. Venham ver o jardim."

 A Té corre pela relva abaixo.

"Cuidado miúda, não caias. Vem para dentro vestir o fato de banho."

Volta entusiasmada.

"Gostas do jardim Té?"

"Góto muito do jardim porque é a descer... e tamém é a subir!"


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Brand new phobia




Estou na cozinha a preparar o almoço. Os miúdos estão silenciosos. Demasiado silenciosos. Algo se passa. Vou ver. Por mais estranho que pareça, está tudo bem. Algum raríssimo alinhamento cósmico permitiu que os meus filhos conseguissem permanecer mais de dez minutos no mesmo compartimento sem perderem as estribeiras uns com os outros. 

A Té está sentada em frente ao computador, phones nos ouvidos, luvas racing nas mãos (o pai comprou-lhas ontem e desde então ainda não as tirou), vidrada num vídeo do youtube em que uma senhora abre lentamente ovos kinder. Mais estranho do que a minha filha ser capaz de ficar entretida a ver alguém abrir ovos kinder uns atrás dos outros é existir quem se se dê ao trabalho de se filmar a abrir vinte ovos kinder e a montar as vinte (sempre inúteis) surpresas. Eu já deixei de tentar perceber uma data de coisas que me espantam por isso, e dado que os vídeos dos ovos apesar de absurdos são inofensivos, opto por não lhe dizer nada.

Os rapazes conversam sobre jibóias.

"Tomás, a jibóia é venenosa?"

"Não, mas pode matar."

"Pode matar porquê?"

"Porque é muito forte. Enrola-se à volta da presa até a sufocar. Depois, come-a."

"Já muita gente foi morta por jibóias?"

"Por ano, são mortas..."

Interrompo-o com um abanar de cabeça. Ele sorri e continua:

"... calma mãe. Ia dizer que anualmente são mortas menos pessoas por jibóias do que por acidentes provocados por veados. Foi o Ricardo Araújo Pereira que disse. Que os Bambies são mais mortíferos do que as jibóias."

"Tommy, não piores as coisas por favor. Não ligues Ti, o Ricardo Araújo Pereira só diz disparates."

"Ok, mas... há jibóias em Portugal?"

Sinto que devo regressar rapidamente à paz da minha cozinha. Já vivi o trauma dos tsunamis. Já vivi o trauma dos relâmpagos. Já vivi o trauma dos vulcões. Não estou com vontade de viver hoje (até porque tenho de acabar rapidamente as almôndegas para ir trabalhar assim que a Maria João chegue) o trauma das jibóias.

O Ti não demora mais de dois minutos até me aparecer pelas costas com aquela cara de preocupação que tão bem conheço.

"Mãe... onde é que há jibóias?"

"Nas florestas tropicais."

"Em que florestas tropicais?"

"No Brasil, na Amazónia, por exemplo."

"Isso é América do Sul. E mais? Em África? Na Oceania?"

"Não sei, depois vejo."

"Na Europa não há nenhuma jibóia?

"Só nos jardins zoológicos."

"E não podem fugir?"

"Não."

Respira de alívio. Olha-me muito sério e pede:

"Podes por favor ver todos os países onde há jibóias à solta e dizer-me, para eu ficar saber?"

«Para garantires que nunca lá porás os pés» penso. 
"Sim, assim que termine o que estou a fazer confirmo-te isso. Mas não percas o sono com o assunto até porque, tanto quanto sei, as jibóias são lentas e não costumam atacar os humanos. Apesar de muito grandes são menos perigosas do que outras cobras mais pequenas mas venenosas."

Voltou para a sala. Quando os fui espreitar passados uns minutos só o ouvi perguntar ao Tommy:

"Mas... há cobras venenosas em Portugal?"


quarta-feira, 6 de agosto de 2014

"Não fui eu!"



“Meninos! Quem rasgou o plástico da caixa do Super Mario Kart?”

Podia ter sido eu, tal é a minha embirração com o Super Mario Kart e com tudo o que o rodeia. Não consigo jogar. Despisto-me na primeira curva ou à primeira banana que me lancem. Não conheço metade das personagens. Não distingo os seus veículos muito menos as potencialidades de cada um. Não tenho pachorra para as discussões que se geram quando alguém tem de jogar com o Yoshi quando queria ser o Bowser. Recuso-me a pactuar com horas de tempo perdido em pesquisas no youtube de homegeekvideos que explicam os passos necessários para se conseguir a Rosalina ou o Koopa Troopa. Podia ter sido eu mas não fui. Eu teria feito desaparecer o cd, não tinha rasgado o plástico da caixa. Quem quer que tenha sido não se acusa. Volto a perguntar:

“Meninos! Quem rasgou o plástico da caixa do Super Mario Kart?”

Um “não fui eu!” é gritado em uníssono sem que nenhum filho ou sobrinho se digne a tirar os olhos do jogo.

O Johnny opta pelo caminho mais simples que é o de atirar as culpas para quem não está presente para se defender e, entre duas ultrapassagens, solta um tímido:

“Deve ter sido a Marta.”

O Ti indigna-se:

“Desculpa João, mas a Marta não foi de certeza. A Marta é uma menina. As meninas não são capazes de fazer uma maldade tão grande.”

A Té encolhe-se atrás do sofá antes que o irmão tenha oportunidade de reflectir um pouco melhor na sua declaração em abono da bondade intrínseca das meninas e diz:

“Acho que foi um mooonstrooo, mamã.”

O Ti ri-se e encolhe os ombros:

“Té, que parvoíce. Os monstros não ‘insistem’…”

O Johnny ri também:

“Toda a gente sabe que não há monstros. Só pode ter sido um ladrão. Ou então, o Homem Invisível.”

O Ti termina a prova em primeiro lugar,  levanta-se ufano, pousa o comando, pega na caixa rasgada e diz:

"Não foi nenhum de nós. Não foi um ladrão pois não entrou cá nenhum ladrão. Só pode ter sido o Homem Invisível. Só gostava de saber porque é que o Homem Invisível teve a ideia de estragar a caixa do meu jogo. Eu se fosse invisível fazia coisas bem mais divertidas."


domingo, 3 de agosto de 2014

Don't forget to bring happiness in your bag


Sol. Calor. Nortada moderada. Toalhas. Cremes. Bananas. Água. Bonés. Óculos de sol. Baldes. Bolas. Guarda-sol. Para-vento. Crianças. Falta um filho e um sobrinho. Tommy, vai chamar o teu irmão e o teu primo. Vai e não volta. Marta, vai chamar o teu irmão e os teus primos. Idem. Restamos eu, a Té e as tralhas, ao portão.

“Então mamã, não vamos para a páia?”

“Vamos, quando eles aparecerem…”

Está prontíssima há meia hora. Toalha de baixo do braço, chapéu na cabeça e chupeta no canto da boca.

“Té, a chupeta não vai.”

Olha-me em modo cachorrinho abandonado. Sabe que leva a sua avante quando faz esta expressão.

“Ok, vai mas vai guardada no meu saco.”

Estende-ma. Um fio de baba escorre desde a sua mãozita até ao passeio ardente. Odeio baba. Ela sabe disso. Limpa a baba à t-shirt e enfia a chupeta na bolsinha exterior do meu troley às bolinhas.

“Fica aqui, tá bem mamã?”

“Combinado.”

Sorri enquanto corre o ziper e diz:

“Muito bem guadadinha. Dás-ma quando eu chorar, tá bem?”

O resto do gangue aparece. Arrancamos. A Té vai à frente em passo apressado rumo a longas horas de sol, mar e animação. Não há nuvem que lhe ensombre o entusiasmo quando sabe que, se algo correr mal, tem a solução à mão, na bolsinha de fora do saco às bolinhas da mamã.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

sweet summer morning



Ele abriu os olhos, passou a mãozita no cabelo arrebitado e perguntou-lhe: é de manhã? Ela disse-lhe que sim. Vamos tomar o pequeno-almoço? Vamos. Veste-te sem fazer barulho. Eles ficam? Sim, não os acordes. Vamos só os dois? Sim, só os dois. Ele sorriu e saltou da cama. Ela empurrou-o gentilmente pela penumbra do quarto até à casa de banho. Lava a cara. E veste um casaco, o dia está tristonho. O concerto, correu bem? Correu meu querido, mas acabou muito tarde. Eles ficam mesmo todos a dormir? Sim, hoje somos só nós. Eu quero ovos, achas que há ovos? Há sempre ovos, não te preocupes. Também quero bolas de Berlim. Sem creme. E leite. E água. Tenho muita fome e muita sede. Percorreram, de mãos dadas, o longo corredor de alcatifa. Desceram no elevador panorâmico. O mar, tingido de escuro pelo céu cinzento, enrolava lentamente na praia vazia. Está a chover? Quase. Esperemos que o sol apareça para podermos ir à praia. E à piscina, eu quero ir à piscina. Primeiro vamos à praia, piscina só ao final do dia. Dirigiram-se à sala de refeições. Vamos a tempo? Penso que sim, ainda não são dez e meia. Olha, há bolas de berlim. Tira só uma. São pequenas, vou levar duas. Talvez seja melhor levarmos para os manos. E para o pai, temos de levar uma para o pai. São deliciosas! Foram inventadas em Berlim? Imagino que sim… já comi algo parecido em Berlim mas não eram tão boas. Se as nossas são melhores do que as de Berlim porque é que lhes chamamos bolas de Berlim? Porque sim. Queres leite? Sim, e água. Vou buscar. Deixa, eu vou, eu sei onde está. Trouxe também dois croissants, para o Tomás. O Tomás gosta muito de croissants. Trouxe dois porque são pequenos. Vá, senta-te e come com calma, temos tempo. O que é que estes senhores estão a falar? Alemão? Não, alemão não é. É alguma língua do norte da Europa, mas não sei identificar. Mãe, porque é que nós estamos no princípio da Europa? A Europa começou aqui? Não. Estamos na pontinha da Europa mas… Então a Europa começou do outro lado? Não, é mais complexo. Depois explico-te. Explica agora. Não posso, vou buscar o meu café. E a América, como começou? A América, tal como existe hoje em dia, começou com os descobrimentos. Os portugueses, os espanhóis, os ingleses e outros atravessaram o oceano e encontraram a América. Em barcos? Sim. À vela? Sim. Iam todos juntos? Não, iam separados. O primeiro a chegar ficava com o país? Mais ou menos. Queres mais ovos? Não, estou bem. Vamos passear? Sim, boa ideia. Olha as bandeiras à porta do hotel: União Europeia, Portugal, Espanha, Angola… qual é a quinta? Não sei… Argélia talvez… Não mãe, a da Argélia é verde e branca e tem uma lua e uma estrela vermelhas. Vê no telefone qual é a bandeira que é vermelha com uma estrelinha verde. Agora não, tenho pouca bateria. Ok, eu vejo em casa no meu atlas. Vamos lá passear. Agarrou a mão dela e puxou-a por entre as esplanadas da marginal. O sol começava a espreitar, tímido, através das nuvens quando chegaram ao centro. Gostas de Sesimbra? Gosto. Já viste aquela muralha lá em cima? Parece a muralha da China. Não, a muralha da China é gigante, aquela é a muralha do castelo. Quantos quilómetros tem a muralha da China? Não sei. Mil? Mais, muito mais… Um milhão? Menos… depois eu vejo, ou vês tu, no teu atlas. Olha ali um mercado. Queres ir ver? Sim, claro. Entraram. É giro não é? Há muitas coisas para comprar. Tanto peixe tão fresquinho! E tantos legumes! Quero levar uma alface, tem bom aspecto. Uma alface não podemos levar, não vamos cozinhar. Ok, então vamos comprar o quê? Vamos comprar uma flor, que te parece? Parece-me bem. As flores estão ali ao fundo, anda. Que deseja menina? Não sei bem. O meu filho nunca tinha vindo a um mercado e quer comprar alguma coisa… O vendedor de flores agarrou num girassol, embrulhou o pé em papel de prata, e estendeu-lho. Toma. Para ti. Ofereço-to. É verdade que nunca tinhas vindo a um mercado? Sim, nunca tinha vindo a um mercado a sério. Mas já fui a muitos mini-mercados. O vendedor sorriu. Ele sorriu de volta, agradeceu o girassol e correu para a porta do mercado. Olha mãe, está sol! Vamos regressar. Sim, para irmos à praia. E depois à piscina! Gostaste do passeio? Gostei. E tu? Também. Gostas do meu girassol? Muito. É lindo. Vamos só tirar uma selfie com o teu girassol. Ficou bem? Ficou óptima. Anda, vamos contar aos manos que fomos a um mercado onde se vendia peixe, carne, fruta e flores. E vamos contar-lhes que recebemos um girassol. Tivemos muita sorte não tivemos, mãe? Ela agarrou-o com força. Tivemos meu amor, tivemos muita sorte.



Ps - Coisas que não sabia e passei a saber: as bolas de berlim são mesmo originárias da capital germânica e continuam a existir por aquelas bandas. A versão alemã é denominada berliner pfannkuchen (bolo berlinense de frigideira), berliner ballen ou simplesmente berliner; a bandeira vermelha com uma estrela verde ao centro é a bandeira de Marrocos; a muralha da China mede 21.196km.


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Keep on rockin' in a wonderful word


A noite está amena. Ouvem-se ao longe as ondas a desmaiar lentamente no areal. O aroma a peixe grelhado flutua por entre as ruas estreitas de calçada. Os meninos já despacharam um robalo cada um. Eu que estive até agora, em contra-relógio, a separar as espinhas dos robalos dos meninos, preparo-me para atacar, finalmente, o meu jantar.
Olho as horas para confirmar quanto nos falta para apanhar o shuttle do Sr.Texugo. Há tempo. Bebo um gole de sangria. Respiro fundo. A vida pode ser maravilhosa.
Ainda não comi a primeira garfada quando uns pingos de chuva me despertam do meu sonho numa noite de verão. O Ti parece ler o pânico nos meus olhos e entre duas amêijoas, que roubou à carne de porco à alentejana dos avós, pergunta:

“No sítio para onde vão ver os concertos há tejadilho?”

O Tommy ri e explica-lhe que não, não há tejadilhos nos festivais.

“A sério? Avó, tens sorte por poder ficar connosco no hotel. A mãe, o pai e o avô têm mesmo de ir. Se ao menos não tivessem reservado o lugar no autocarro… agora não há nada a fazer. Que grande azar.”

Lá fomos. A chuva deixou a Herdade do Cabeço da Flauta pouco antes de chegarmos ao recinto. Sem necessidade de tejadilho vi, ouvi, mais do que tudo senti as quase três horas de espectáculo do (sempre grande) Eddie Vedder. Tocou o Masters of War, o You've got to hide your love away, o Black e até, pela primeira vez ao vivo, o ImagineQue tivesse chovido a cântaros. Tinha sido épico na mesma. A vida é maravilhosa.  


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um iogurte é um iogurte


Os anúncios de iogurtes magros enervam-me. De toda a publicidade que nos entra olhos e alma dentro diariamente a de iogurtes magros é, de longe, a que mais me irrita. Mais do que a da Cofidis e a da Olx. Mais do que a das seguradoras. Mais do que a de detergentes da louça e da roupa. Mais do que a do Jumbo, do Continente e do Pingo Doce juntas. Mais do que qualquer outra. Passo a explicar porquê:

Eu sou daquelas que devia comer tudo quanto é alimento com teor reduzido de gordura. Sou daquelas que não devia tocar em doces. Sou daquelas que não devia comer arroz. Sou daquelas que devia comer apenas uma peça de fruta ou um iogurte entre as refeições. Todas as manhãs olho de esguelha a pilha de jeans que não servem mas dos quais não me desfaço na esperança de ainda voltar a caber neles. É aquele momento do dia em que sinto que está na hora de fazer algum esforço para vestir uns números abaixo. São breves instantes de consciência da minha (falta de) forma. Digo breves pois assim que fecho o roupeiro não penso mais no assunto e como uma taça de Chocapic. Eu preencho os requisitos todos para ser o target de qualquer campanha de iogurtes magros. Sou das que têm de ser convencidas. E para me convencerem bastava que usassem única e simplesmente o argumento de que para sermos magras temos de parar de comer porcarias e começar a comer iogurtes. E que explicassem que um iogurte magro pode saber ao mesmo do que um normal. Mesmo sabor, metade das calorias. Perfeito. Mas não. As marcas apresentam os iogurtes magros como uma deliciosa tentação que está ali ao nosso alcance, permitindo-nos o éden sem nos aumentar uns centímetros às coxas. 

Vejamos alguns exemplos:

"...ao fim destes anos todos, e três filhos depois, a minha mulher  está cada vez mais bonita, menos quando lhe tiram o iogurte..."

Não brinquem comigo. Uma mãe de três filhos tem oportunidades de sobra para virar um bicho sem que metam iogurtes ao barulho. Mais, uma mãe de três filhos está preparada para ver comida a desaparecer sem que isso a incomode. Uma mãe de três filhos come as asas do frango e as côdeas do pão. A falta de um determinado iogurte no frigorífico não incomoda uma mãe de três filhos.

"Adoro miminhos. Um folhadinho de manhã, uns docinhos ao lanche. Mas agora chega! Vou trocar o meu snack por este zero por cento! Yum!"

Só num mundo irreal é que uma mulher diz uma frase destas com entusiasmo e um sorriso rasgado no rosto.

"...prometo não renunciar a nada e aproveitar!"

Boa. Não vamos renunciar a nada. Vamos partir para a loucura e comer iogurtes magros! Uhuuuuu!

"Zero. Puro prazer."

Puro prazer? Puro prazer é uma torrada com queijo e doce de morango. Puro prazer é uma fatia gigante de pão com nutela. Puro prazer é uma tosta carregada de manteiga de amendoim. Puro prazer é comer leite condensado à colher. Um iogurte magro, é na melhor das hipóteses, um perfeito substituto de um iogurte normal. Um perfeito substituto de algo que é tudo, menos puro prazer.

Eu sei que devo comer iogurtes. Magros, de preferência. Mas agradeço que deixem de fazer de mim parva e assumam de uma vez por todas que um iogurte é tão somente um iogurte. Não tem gordura? Óptimo. Se estiver com desconto em cartão, tanto melhor.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Friday i'm in love



Sexta-feira. Nove e meia da noite. Saio da ginástica sem poder com uma gata pelo rabo. O menor dos meus problemas, já que a minha gata faz questão de não me deixar pegar-lhe, e dadas as tarefas que ainda estão pela frente: ir buscar os meninos a casa dos avós, carregar meninos e tralhas dos meninos para o carro, do carro para o elevador e do elevador para casa, enfiar os meninos mais novos na banheira, gastar um mês de vida a convencê-los a sair de lá, gastar outro mês a explicar ao mais velho que “banho agora” ou “banho amanhã de manhã” não é a mesma coisa, tentar impedir os rapazes de começarem a jogar o que quer que seja às onze da noite, colar cromos e fazer pulseiras de elásticos com a Té enquanto os mais velhos jogam aquilo que não os consegui impedir de jogar, arrastá-los para o meu quarto, contar uma história, ver um pedaço do Frozen, ver um pedaço do Lego, ver um pedaço do Chicago Fire, fazer o transbordo da bela e dos belos adormecidos da minha para as suas camas, tomar banho, secar o cabelo, estender uma (ou duas) máquinas de roupa, varrer a areia do chão da casa de banho, desligar luzes e aparelhos, enviar uma (ou duas) sms ao André a cobrar-lhe o facto de ter ido jantar fora, sentar-me finalmente no sofá, gastar dez minutos a escolher um filme, adormecer passados outros dez. Vá que é sexta.

Assim que entro em casa dos meus pais percebo que o simples acto de os tirar dali se reveste hoje de um grau de dificuldade extra uma vez que o Tommy está no pátio, com uma brazuca nos pés, empenhado em "fazer a-melhor-finta-de-sempre" e o Ti está incumbido de filmar a mesma para memória futura. Estimo que se sucedam cento e cinquenta quase-melhores-fintas-de-sempre filmadas de vários ângulos. Vale-me a confiança (cega) que tenho na incapacidade da bateria do iPhone de chegar à vigésima filmagem. Decido ir pegando na Té que está refastelada no colo do avô a jogar qualquer coisa no telemóvel da avó.

“Té, vamos lá calçar as sapatilhas, temos de ir embora.”

“Espera mamã. Tou a xogar ête xogo.”

Arregalo-lhe os olhos. Está ao colo do avô e isso confere-lhe uma inegável superprotecção em relação aos meus olhares lancinantes. Sorri e faz a sua proposta:

“Quando perdê, tá bem?”

“E se não perderes?”

Bate com os joelhos um no outro, encolhe os ombros, enrosca-se um bocadinho mais nos braços do meu pai e diz-me, lenta e docemente, como que explicando algo mesmo muito simples a alguém mesmo muito burro:

“Se não perdê… ganho.”

Não sei se ganhou ou perdeu mas não houve avô que lhe valesse no momento em que decidi agarrá-la e levá-la para o carro. Pelo caminho arrastei o Neymar e o Scorsese comigo. Ainda estou para ver como ficou o vídeo. Se for mesmo a-melhor-finta-de-sempre, eu depois mostro.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Let it Go



Não há como negar a realidade. Cá por casa, atrás de uma obsessão vem sempre outra, maior e mais persistente. A última pertence à Té e é o Frozen. Só quer ver o Frozen, só quer ouvir as músicas do Frozen, só quer falar do Frozen. A fixação é tal que, à saída da festa de final de ano não vinha entusiasmada com as brilhantes actuações para as quais ensaiaram semanas a fio mas sim com o facto de, num dos intervalos, ter passado o Let it Go.

Gostaste da tua festa, Tété? Sim! Tocou o Let it Go! Tocou o Let it Go!

Ouvimos o Let it go a todo o momento, em loop, dia após dia, semana após semana. Ora em casa, ora no carro, ora no gadget que está mais à mão. Ora na versão da Idina Menzel, ora na versão da Demi Lovato, ora na minha preferida, a versão da Té y sus hermanos. 

A imagem dos três, em pijama, no meu quarto, com os sorrisos iluminados apenas pelos tons azuis do filme, a cantar o Let it Go a plenos pulmões há-de ficar para sempre guardada no meu baú de memórias, não só por ser uma imagem absolutamente enternecedora mas, principalmente, pelo número incontável de vezes que se repetiu nos últimos tempos.

Estranhamente, quanto mais ouço o Let it Go mais gosto do Let it Go. Digo estranhamente pois nunca liguei nem um bocadinho a trinados vocais envolvidos por elaborados arranjos musicais. Sempre tive alergia às Celine Dion, às Mariah Carey e às Adele deste mundo. Até dar por mim a ouvir o cd do Frozen sozinha no carro e a ficar arrepiada com o Let it Go. Até dar por mim a emocionar-me com o Let it Go como se de uma das minhas músicas preferidas de Pearl Jam se tratasse. 

Não há como negar a realidade. Gosto do Let it Go. Gosto mesmo muito do Let it Go. É daquelas canções que, daqui a muitos anos, me vai fazer regressar aos dias em que os meus meninos gostavam de adormecer na minha cama, embalados por musicais da Disney. 

A música tem este poder de nos fazer viajar no tempo. O amor, por outro lado, permite que nos deixemos apaixonar pela mais impensável das canções.

Qual não é o meu espanto quando descubro que o Eddie Vedder fez há dias, em Milão, uma curta cover do Let it Go por entre os acordes do Daughter. Os críticos mais puristas dizem que foi o fim da linha. Eu digo que foi mágico.

  

domingo, 22 de junho de 2014

A Té e os cromos



“Mamã, podemos ir compá cómos?”

“Sim, depois de colarem esse monte que está aí ao lado da caderneta.”

“Mamã, ajudas-me a colá os cómos?”

Sento-me a seu lado no banquinho ‘pink’ e pego nos cromos que ordeno por seleções. Estendo-lhe um tal de Eren Derdiyok.

“Quem é ête mamã?”

“É o Eren, da Suíça.”

“De que equipa é o Eren, mamã?”

“Da Suíça, já te disse.”

Olha-me indignada.

“Não é das equipas das bandeias que estou a peguntá. De que equipa é sem sê das bandeias?”

Espreito as letrinhas pequenas no cromo e esclareço-a. Leverkusen. Venha o próximo. Atsuto Uchida, Japão. Também joga na Alemanha, no Schalke04.

“Ête é chinês, mamã?”

“Não, é Japonês. Olha a bandeira do Japão na camisola.”

“Mas tem cara de chinês!”

“Tem cara de japonês.”

“Os japonês têm cara de chinês?”

Tento explicar-lhe (sem grande sucesso…) as diferenças entre chineses e japoneses enquanto cola com perícia o Atsuto, o Yasuhito e o Hiroshi. Passamos ao Uruguay.

“Quem é ête que tá tão tiste mamã?”

Luis Suárez. Liverpool. Tem razão, a rapariga. O Suárez ficou mesmo tristonho na foto. Como diria o JJ até parece que “tá a chorare”. Rio-me sozinha enquanto lhe passo o Maxi Pereira.

“Que equipa é o Maxi, mamã?”

“Benfica.”

“É muito feio, o Maxi.”

Cola o Maxi, tão enviesado, tão enviesado que quase ocupa o espaço do Cáceres.

“Colaste mal, Tété… ficou torto.”

Sorri-me, confiante.

“Pois colei, mamã. Mas foi de propósito. É do Benfica. TEM de ficá mal colado.” 

"Tenho de contar essa ao pai. Algo me diz que vai ficar orgulhoso."