domingo, 31 de agosto de 2014

What goes down also come up


Após cento e cinquenta "falta muito para chegarmos?" estacionamos em frente à recepção. O André vai tratar do check in enquanto eu fico com o gang junto à carrinha. Discutem, como de costume, mas eu não me importo de tão inebriada que estou com este ar quente e este cheirinho a verão que só o algarve tem.

"Chegámos? É aqui a nossa casa? Qual é a nossa? É perto da piscina?"

"Não sabemos, o pai já vê, no mapa do aldeamento."

O pai aproxima-se e estende-me o dito do mapa. Observo a folha A4 onde está traçada uma linha com início no ponto em que nos encontramos e com fim... no limite da folha. O André franze o sobrolho e estende-me uma segunda folha... a continuação do mapa. Boa, estamos nos confins.

"Então, já sabemos qual é a nossa casa? Mostrem, mostrem!"

O André não mostra. Agarra nos papeis e volta para dentro.

"Onde vais André?"

"Trocar a casa."

Os miúdos correm atrás, confusos.

"Vais trocar a casa porquê pai? Ainda nem a vimos!"

Sento-me no sofá da recepção e faço por distraí-los com uns panfletos de aquaparques enquanto o André fala com um funcionário que está com cara de quem não nos vai fazer favor nenhum. Vejo o homem abanar a cabeça. Ouço-o dizer que, pelo menos hoje, é impossível. Amanhã, talvez.

Aproximo-me.

"Vamos lá ver, André. Pode ser que não seja assim tão longe."

"Joana, olha para o mapa. É a milhas da entrada. Não vai dar para ir a pé para a praia."

Observo a bela da maquete gigante que está ao lado do balcão. Olho o mapa e tento encontrar a nossa localização na maquete. O nosso edifico está para lá, muito para lá dos limites urbanizados da representação 3D. A maquete representa a fase I e nós fomos parar à fase III. Não há cheirinho de algarve que me anime neste momento.

O funcionário da recepção força um sorriso:

"Podem sempre vir de carro até aqui e depois seguem a pé..."

Forço um sorriso de volta e despeço-me.

"Meninos, entrem no carro. Vamos ver a casa!"

É longe, efectivamente. Longe o suficiente para nos encorajar a descarregar e carregar as tralhas duas vezes em menos de 24h.

"Então mãe? É esta a nossa casa ou não?"

"Hoje é esta. Amanhã mudamos para outra."

"Mas eu gosto desta!"

"A outra é igual."

"Se é igual porque é que vamos mudar? Gosto desta. Prefiro ficar aqui."

Vinte horas e cento e cinquenta "não quero mudar" depois estamos a descarregar as malas na nova casa.

"É aqui mae? É esta a nossa?"

"Sim. É aqui. Igual à outra. Num sítio bem melhor. Mais, esta tem jardim. Um bocadinho inclinado, mas dá para brincar. Venham ver o jardim."

 A Té corre pela relva abaixo.

"Cuidado miúda, não caias. Vem para dentro vestir o fato de banho."

Volta entusiasmada.

"Gostas do jardim Té?"

"Góto muito do jardim porque é a descer... e tamém é a subir!"


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Brand new phobia




Estou na cozinha a preparar o almoço. Os miúdos estão silenciosos. Demasiado silenciosos. Algo se passa. Vou ver. Por mais estranho que pareça, está tudo bem. Algum raríssimo alinhamento cósmico permitiu que os meus filhos conseguissem permanecer mais de dez minutos no mesmo compartimento sem perderem as estribeiras uns com os outros. 

A Té está sentada em frente ao computador, phones nos ouvidos, luvas racing nas mãos (o pai comprou-lhas ontem e desde então ainda não as tirou), vidrada num vídeo do youtube em que uma senhora abre lentamente ovos kinder. Mais estranho do que a minha filha ser capaz de ficar entretida a ver alguém abrir ovos kinder uns atrás dos outros é existir quem se se dê ao trabalho de se filmar a abrir vinte ovos kinder e a montar as vinte (sempre inúteis) surpresas. Eu já deixei de tentar perceber uma data de coisas que me espantam por isso, e dado que os vídeos dos ovos apesar de absurdos são inofensivos, opto por não lhe dizer nada.

Os rapazes conversam sobre jibóias.

"Tomás, a jibóia é venenosa?"

"Não, mas pode matar."

"Pode matar porquê?"

"Porque é muito forte. Enrola-se à volta da presa até a sufocar. Depois, come-a."

"Já muita gente foi morta por jibóias?"

"Por ano, são mortas..."

Interrompo-o com um abanar de cabeça. Ele sorri e continua:

"... calma mãe. Ia dizer que anualmente são mortas menos pessoas por jibóias do que por acidentes provocados por veados. Foi o Ricardo Araújo Pereira que disse. Que os Bambies são mais mortíferos do que as jibóias."

"Tommy, não piores as coisas por favor. Não ligues Ti, o Ricardo Araújo Pereira só diz disparates."

"Ok, mas... há jibóias em Portugal?"

Sinto que devo regressar rapidamente à paz da minha cozinha. Já vivi o trauma dos tsunamis. Já vivi o trauma dos relâmpagos. Já vivi o trauma dos vulcões. Não estou com vontade de viver hoje (até porque tenho de acabar rapidamente as almôndegas para ir trabalhar assim que a Maria João chegue) o trauma das jibóias.

O Ti não demora mais de dois minutos até me aparecer pelas costas com aquela cara de preocupação que tão bem conheço.

"Mãe... onde é que há jibóias?"

"Nas florestas tropicais."

"Em que florestas tropicais?"

"No Brasil, na Amazónia, por exemplo."

"Isso é América do Sul. E mais? Em África? Na Oceania?"

"Não sei, depois vejo."

"Na Europa não há nenhuma jibóia?

"Só nos jardins zoológicos."

"E não podem fugir?"

"Não."

Respira de alívio. Olha-me muito sério e pede:

"Podes por favor ver todos os países onde há jibóias à solta e dizer-me, para eu ficar saber?"

«Para garantires que nunca lá porás os pés» penso. 
"Sim, assim que termine o que estou a fazer confirmo-te isso. Mas não percas o sono com o assunto até porque, tanto quanto sei, as jibóias são lentas e não costumam atacar os humanos. Apesar de muito grandes são menos perigosas do que outras cobras mais pequenas mas venenosas."

Voltou para a sala. Quando os fui espreitar passados uns minutos só o ouvi perguntar ao Tommy:

"Mas... há cobras venenosas em Portugal?"


quarta-feira, 6 de agosto de 2014

"Não fui eu!"



“Meninos! Quem rasgou o plástico da caixa do Super Mario Kart?”

Podia ter sido eu, tal é a minha embirração com o Super Mario Kart e com tudo o que o rodeia. Não consigo jogar. Despisto-me na primeira curva ou à primeira banana que me lancem. Não conheço metade das personagens. Não distingo os seus veículos muito menos as potencialidades de cada um. Não tenho pachorra para as discussões que se geram quando alguém tem de jogar com o Yoshi quando queria ser o Bowser. Recuso-me a pactuar com horas de tempo perdido em pesquisas no youtube de homegeekvideos que explicam os passos necessários para se conseguir a Rosalina ou o Koopa Troopa. Podia ter sido eu mas não fui. Eu teria feito desaparecer o cd, não tinha rasgado o plástico da caixa. Quem quer que tenha sido não se acusa. Volto a perguntar:

“Meninos! Quem rasgou o plástico da caixa do Super Mario Kart?”

Um “não fui eu!” é gritado em uníssono sem que nenhum filho ou sobrinho se digne a tirar os olhos do jogo.

O Johnny opta pelo caminho mais simples que é o de atirar as culpas para quem não está presente para se defender e, entre duas ultrapassagens, solta um tímido:

“Deve ter sido a Marta.”

O Ti indigna-se:

“Desculpa João, mas a Marta não foi de certeza. A Marta é uma menina. As meninas não são capazes de fazer uma maldade tão grande.”

A Té encolhe-se atrás do sofá antes que o irmão tenha oportunidade de reflectir um pouco melhor na sua declaração em abono da bondade intrínseca das meninas e diz:

“Acho que foi um mooonstrooo, mamã.”

O Ti ri-se e encolhe os ombros:

“Té, que parvoíce. Os monstros não ‘insistem’…”

O Johnny ri também:

“Toda a gente sabe que não há monstros. Só pode ter sido um ladrão. Ou então, o Homem Invisível.”

O Ti termina a prova em primeiro lugar,  levanta-se ufano, pousa o comando, pega na caixa rasgada e diz:

"Não foi nenhum de nós. Não foi um ladrão pois não entrou cá nenhum ladrão. Só pode ter sido o Homem Invisível. Só gostava de saber porque é que o Homem Invisível teve a ideia de estragar a caixa do meu jogo. Eu se fosse invisível fazia coisas bem mais divertidas."


domingo, 3 de agosto de 2014

Don't forget to bring happiness in your bag


Sol. Calor. Nortada moderada. Toalhas. Cremes. Bananas. Água. Bonés. Óculos de sol. Baldes. Bolas. Guarda-sol. Para-vento. Crianças. Falta um filho e um sobrinho. Tommy, vai chamar o teu irmão e o teu primo. Vai e não volta. Marta, vai chamar o teu irmão e os teus primos. Idem. Restamos eu, a Té e as tralhas, ao portão.

“Então mamã, não vamos para a páia?”

“Vamos, quando eles aparecerem…”

Está prontíssima há meia hora. Toalha de baixo do braço, chapéu na cabeça e chupeta no canto da boca.

“Té, a chupeta não vai.”

Olha-me em modo cachorrinho abandonado. Sabe que leva a sua avante quando faz esta expressão.

“Ok, vai mas vai guardada no meu saco.”

Estende-ma. Um fio de baba escorre desde a sua mãozita até ao passeio ardente. Odeio baba. Ela sabe disso. Limpa a baba à t-shirt e enfia a chupeta na bolsinha exterior do meu troley às bolinhas.

“Fica aqui, tá bem mamã?”

“Combinado.”

Sorri enquanto corre o ziper e diz:

“Muito bem guadadinha. Dás-ma quando eu chorar, tá bem?”

O resto do gangue aparece. Arrancamos. A Té vai à frente em passo apressado rumo a longas horas de sol, mar e animação. Não há nuvem que lhe ensombre o entusiasmo quando sabe que, se algo correr mal, tem a solução à mão, na bolsinha de fora do saco às bolinhas da mamã.