Fim-de-semana de mudança de roupas. Acontece a cada seis meses assim que as temperaturas sobem ou descem a níveis de todo inadequados às peças que estão a uso.
Geralmente aproveito um fim-de-semana em que o pai está na fábrica. Erro número um. Se a coisa não é fácil por si, sem o pai em casa o
caos instala-se no momento em que abro a porta do primeiro guarda-fatos.
Acho sempre que consigo tratar do assunto num par de dias. Erro
número dois. Por mais que me esforce, chego a domingo à noite com caixas de
roupa espalhadas pelo corredor, armários atulhados, quilos e quilos de roupa para
verificar se serve ou se há-de servir a alguém, sacos e saquinhos com itens
desemparelhados (exemplo: uma braçadeira, uma barbatana, um chinelo…).
Acredito sempre que os miúdos vão cooperar. Erro número três. Não
só não cooperam como atrapalham. Assim que se apercebem de que estou embrenhada
numa tarefa que lhes é (aparentemente) alheia são invadidos por uma sensação de
imunidade e lançam-se nos maiores dos disparates.
Caio sempre na tentação de tentar aproveitar 'a onda' para arrumar
uma ou outra pilha de papéis ou uma daquelas gavetas que vamos enchendo (indiscriminadamente)
de tralha. Erro número quatro ou Fatal Error.
Se possuo plena consciência de que não uso o melhor dos
procedimentos porque é que não mudo de estratégia? Porque tenho uma incrível
capacidade para varrer da memória tudo quanto é má experiência. Posso explodir,
desatar aos gritos e jurar a mim mesma não mais repetir determinado erro.
Passados dois dias já não me lembro. As reminiscências vão, no entanto,
surgindo à medida que uma má experiência se repete… quando, do fundo da minha
trincheira de roupas, vejo o Tiago aos gritos, a correr por entre a confusão, derrubando
e pisando caixas de sapatos, fugindo da Teresa que o persegue de braços no ar
a rugir, penso: onde raio estava com a cabeça quando achei que ia ser fácil?
“Té!!! Deixa o teu irmão em paz! Tommy, onde andas? Vê se consegues
controlar esses dois!”
A Teresa volta-se e salta para cima da cama, desfazendo três
montinhos de t-shirts que tinha acabado de dobrar. O narizito arrebitado está
enrugado até às sobrancelhas. Os dentes cerrados fazem tremer a chupeta embeiçada no lábio inferior. Um fio de baba escorre-lhe pela cara até cair em pingas meladas nas minhas
saias de verão.
“Sou um ‘eão’!!”
“Não me assustas. Sai de cima da minha roupa, se fazes favor.”
“Mas eu sou um ‘eão’ mau!”
Os seus olhos gigantes reluzem. A beiça continua a escorrer baba. Leão
mau? Não. Pequeno pequinês prognata, isso talvez. Daqueles muito bravos que,
apesar do seu tamanho xxs, conseguem impor respeito. Fui mordida por um quando
era pequenina e ainda hoje tenho medo.