Chove torrencialmente. Estou estacionada à porta do colégio à espera dos rapazes. A Té já está comigo. Pergunta o que trouxe para o lanche.
Passo-lhe a lancheira. Sorri ao ver uma garrafinha de compal essencial kids.
Não pelo compal kids (que é o irmão que bebe) mas pela garrafinha que lhe falta
na sua colecção de garrafinhas de compal kids. Além dos clássicos cromos, a
minha filha colecciona tudo o que se possa imaginar. “Mamã, não deites fora que
é para a minha colecção” é algo que ouço quase todas as vezes que abro a tampa
do nosso balde do lixo reciclável. Tampinhas, garrafas plásticas, etiquetas de
roupa, panfletos, catálogos, palhinhas, saquinhas de papel, tudo é alvo da sua
necessidade de acumulação de bens inúteis.
Os rapazes chegam, despejam as tralhas na mala e entram para o
banco de trás. Antes que eu tenha tempo de perguntar como correu o dia, a Té já
está a obrigar o Tommy a beber o compal kids.
“Então meninos? Esses testes?”
“Bem.”
“E os resultados do concurso de cálculo mental, Tiago?”
Pelo retrovisor vejo o seu sorriso rasgado a transbordar alegria
pelo espaço sem dentes.
“Ganhei!”
“Boa miúdo! Qual foi o prémio desta vez? Troféu, medalha ou
diploma?”
“Diploma. Dou-to em casa. Pões numa moldura, como os outros?”
“Sim, claro. Na casa nova vamos ter de arranjar uma parede só para
os vossos diplomas.”
A Té não quer saber nem do teste de ciências do Tommy, nem do teste
de Inglês do Ti e muito menos dos resultados do concurso de cálculo mental.
Quer mostrar que já tem a garrafinha do feiticeiro. O Tommy esforça-se (com
pouco sucesso, diga-se) por aparentar algum interesse na colecção da irmã. Eu
digo-lhes que no meu tempo também fazíamos colecções. Conto-lhes que fazia
colecção de latas e tinha mais de quinhentas.
O Tommy, que já mergulhou no Clash of Clans, desgruda
momentaneamente os olhos do telefone e
exclama:
“Latas?! Latas de Coca-cola e assim?”
“Yep.”
“Quinhentas? Todas diferentes?”
Os olhos da Té brilham. Ainda não se tinha lembrado de começar a
juntar latas.
O Ti está sério. Vejo na sua expressão que não compreende este entusiasmo
coleccionista. Levanta o braço no ar, como se estivesse a pedir permissão para
falar na sala de aula.
“Só uma coisa… qual é o interesse de fazer colecção de garrafas,
latas ou tampas se não servem para nada? Eu já decidi, vou fazer colecção de prémios.”
Isto de coleccionar prémios não é para quem quer, é para quem pode mas algo me diz que o rapaz se arrisca a ter uma rica colecção.