Hora de ir para a cama. A televisão ainda está em modo infantil. Ruca,
para não variar. Bem, antes o Ruca que uma gordalhufa oxigenada a dizer
obscenidades acompanhada do Kapinha e do Tino de Rans. Antes o Ruca que o
Dancing Days. Antes o Ruca que as marchas de Santo António. Antes o Ruca que o
Bagão Félix a teorizar sobre a nossa triste realidade. Antes o Ruca que o
MasterChef ou uma qualquer série de investigação criminal. No fundo, no fundo,
o Ruca não é assim tão mau. O Ruca fala da irmã mais nova:
“Esta é a minha maninha Rosita e eu gosto
muito dela!”
“Estás a ver Ti? O Ruca gosta muita da mana. Tu também gostas
muito da tua, não gostas?”
“Só às vezes, mãe. A Rosita porta-se sempre bem. A Teresa não.”
“Não digas isso…”
Neste preciso momento aparece a Té, equipada para dormir. Por
equipada entenda-se, além do pijama e da chupeta, carregada com tudo aquilo que
pretende levar para o colégio no dia seguinte. Lista do dia: um swatch ‘pink’,
um nokia avariado ‘pink’, um livro de colorir, uma prancha de
bodyboard da Pequena Sereia, um guarda-chuva do Panda (aberto…) e uma cesta com
uma meia dúzia de itens que, à partida, não consigo identificar.
O Ti aponta para a Rosita no ecrã e depois para a irmã. Encolhe os
ombros e abre os braços num gesto de evidência.
A Té franze o sobrolho o olha-o de soslaio. Uma mão na prancha e
outra no guarda-chuva impedem a costumeira 'mão na anca'. Afago-lhe a franja a
precisar de ser aparada:
“O Tiago gosta de ti, Té. Sempre, mesmo que por vezes diga o
contrário. Vamos lá arranjar um modo de encaixar esta tralha toda na tua cama.”
Afastamo-nos. O Ti mantém-se vidrado na televisão. Enquanto tento
convencer a Té a fechar o guarda-chuva, ouço-o murmurar entredentes:
“Gosto às vezes. Só às vezes…”
Sem comentários:
Enviar um comentário