Estou a acabar de meter a louça na máquina quando vejo a Teresinha,
que já devia estar a dormir, a passar disparada no corredor.
“Té! Onde vais?”
“Buscá um lápis pa fazê um tabaio.”
“Não há trabalhos a esta hora. Os teus irmãos já estão deitados.”
Encosta-se à ombreira da porta da cozinha e, enquanto faz círculos
no chão com o seu pezito descalço, inclina a cabeça num tom provocador:
“Não, não... o Tiago tá a tabaiá.”
Agarro-a, antes que fuja, e levo-a debaixo do braço até ao quarto.
Encontro o Ti, compenetradíssimo, sentado à secretária.
“Sr. Tiago, posso saber porque é que ainda não estás na cama?”
“Estou a fazer um trabalho importante!”
“A tua irmã já me informou. E também já a informei a ela que não são
horas para trabalhos.”
“Mas… é um ‘PLANO’, mãe!”
Estende-me uma folha onde está toscamente representada a planta da
casa. Os espaços estão identificados na sua (quase perfeita) caligrafia: ‘cusinha’,
‘sala’, ‘cuarto de banho’, ‘cuarto’, ‘cuarto’, ‘cuarto’. Há setas entre as
divisões indicando um percurso: o Plano.
O Tommy que, pelos vistos, também está a pé, aproxima-se e analisa o esquema com um sorriso condescendente. Faço-lhe sinal para que não aponte os erros de
ortografia ao que ele me responde baixinho:
“No fundo o Ti até tem razão. Porque é que ‘quarto’ não há-de ser
com ‘c’ e ‘cozinha’ não há-de ser com ‘u’? Se quem inventou o português não
estivesse com os copos não tínhamos tantas letras a fazer as vezes umas das
outras.”
“Não me parece que o problema da complexidade da nossa língua se
prenda com uns canecos a mais, filho. Mas discutimos isso noutra altura.”
A Té já se desembaraçou de mim, já desencantou papel e lápis e está
a fazer um desenho. Enquanto tento demovê-la os outros dois preparam-se para
sair ‘cuarto’ fora, de ‘PLANO’ em punho.
“Meninos! Acabou-se! O meu ‘PLANO’ tem quatro letras: um ‘C’, um ‘A’,
um ‘M’…”
O Ti, sem olhar para trás, decifra:
“D-O-R-M-I-R. Já vamos, mãe. Assim que executarmos o meu ‘PLANO’.”
A Té lança-me com um olharzinho suplicante:
“Também posso acabá o meu tabaio? É pa ti.”
Desisto. Mais desenho menos desenho, mais trabalho menos trabalho,
o sono e o cansaço encarregar-se-ão de os vencer por mim. Boa noite, bons
sonhos e bons planos.
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