segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Evening Plans



Estou a acabar de meter a louça na máquina quando vejo a Teresinha, que já devia estar a dormir, a passar disparada no corredor.

“Té! Onde vais?”

“Buscá um lápis pa fazê um tabaio.”

“Não há trabalhos a esta hora. Os teus irmãos já estão deitados.”

Encosta-se à ombreira da porta da cozinha e, enquanto faz círculos no chão com o seu pezito descalço, inclina a cabeça num tom provocador:

“Não, não... o Tiago tá a tabaiá.”

Agarro-a, antes que fuja, e levo-a debaixo do braço até ao quarto. Encontro o Ti, compenetradíssimo, sentado à secretária.

“Sr. Tiago, posso saber porque é que ainda não estás na cama?”

“Estou a fazer um trabalho importante!”

“A tua irmã já me informou. E também já a informei a ela que não são horas para trabalhos.”

“Mas… é um ‘PLANO’, mãe!”

Estende-me uma folha onde está toscamente representada a planta da casa. Os espaços estão identificados na sua (quase perfeita) caligrafia: ‘cusinha’, ‘sala’, ‘cuarto de banho’, ‘cuarto’, ‘cuarto’, ‘cuarto’. Há setas entre as divisões indicando um percurso: o Plano.

O Tommy que, pelos vistos, também está a pé, aproxima-se e analisa o esquema com um sorriso condescendente. Faço-lhe sinal para que não aponte os erros de ortografia ao que ele me responde baixinho:

“No fundo o Ti até tem razão. Porque é que ‘quarto’ não há-de ser com ‘c’ e ‘cozinha’ não há-de ser com ‘u’? Se quem inventou o português não estivesse com os copos não tínhamos tantas letras a fazer as vezes umas das outras.”

“Não me parece que o problema da complexidade da nossa língua se prenda com uns canecos a mais, filho. Mas discutimos isso noutra altura.”

A Té já se desembaraçou de mim, já desencantou papel e lápis e está a fazer um desenho. Enquanto tento demovê-la os outros dois preparam-se para sair ‘cuarto’ fora, de ‘PLANO’ em punho.

“Meninos! Acabou-se! O meu ‘PLANO’ tem quatro letras: um ‘C’, um ‘A’, um ‘M’…”

O Ti, sem olhar para trás, decifra:

“D-O-R-M-I-R. Já vamos, mãe. Assim que executarmos o meu ‘PLANO’.”

A Té lança-me com um olharzinho suplicante:

“Também posso acabá o meu tabaio? É pa ti.”

Desisto. Mais desenho menos desenho, mais trabalho menos trabalho, o sono e o cansaço encarregar-se-ão de os vencer por mim. Boa noite, bons sonhos e bons planos.


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