Queixo-me sistematicamente do teu mau feitio, da tua altivez, do
modo como me ignoras. Queixo-me da tua ingratidão face ao tempo e carinho que
te dediquei nos primórdios da tua existência. Queixo-me com fundamento. Deves-me
a vida, sua malvada, e mesmo assim és incapaz de me conceder um mísero segundo
de afecto. Destróis as minhas flores, rasgas as minhas roupas, roubas o bife do
meu prato, mordes-me os pés se me atrevo a caminhar descalça na minha própria
casa. Não és mais do que um bibelô trabalhoso. Sim, porque bonita, lá isso és,
com as tuas listas douradas e os teus olhos transparentes. À parte os dotes
decorativos tens, para mim, uma única utilidade: exterminar insectos. E com uma
vantagem. Não deixas rasto. Hoje de manhã, como que a anunciar a primavera,
entrou pela janela da cozinha a tua primeira vítima do ano.
Dois minutos, foi quanto bastou para que te apercebesses da sua
presença, para que observasses friamente os seus movimentos de voo e a engolisses
sem misericórdia. Muito bem, Glorinha. Que sejas o meu Dum Dum de serviço. Já
dou o sacrifício por bem empregue.
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