quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Brand new phobia




Estou na cozinha a preparar o almoço. Os miúdos estão silenciosos. Demasiado silenciosos. Algo se passa. Vou ver. Por mais estranho que pareça, está tudo bem. Algum raríssimo alinhamento cósmico permitiu que os meus filhos conseguissem permanecer mais de dez minutos no mesmo compartimento sem perderem as estribeiras uns com os outros. 

A Té está sentada em frente ao computador, phones nos ouvidos, luvas racing nas mãos (o pai comprou-lhas ontem e desde então ainda não as tirou), vidrada num vídeo do youtube em que uma senhora abre lentamente ovos kinder. Mais estranho do que a minha filha ser capaz de ficar entretida a ver alguém abrir ovos kinder uns atrás dos outros é existir quem se se dê ao trabalho de se filmar a abrir vinte ovos kinder e a montar as vinte (sempre inúteis) surpresas. Eu já deixei de tentar perceber uma data de coisas que me espantam por isso, e dado que os vídeos dos ovos apesar de absurdos são inofensivos, opto por não lhe dizer nada.

Os rapazes conversam sobre jibóias.

"Tomás, a jibóia é venenosa?"

"Não, mas pode matar."

"Pode matar porquê?"

"Porque é muito forte. Enrola-se à volta da presa até a sufocar. Depois, come-a."

"Já muita gente foi morta por jibóias?"

"Por ano, são mortas..."

Interrompo-o com um abanar de cabeça. Ele sorri e continua:

"... calma mãe. Ia dizer que anualmente são mortas menos pessoas por jibóias do que por acidentes provocados por veados. Foi o Ricardo Araújo Pereira que disse. Que os Bambies são mais mortíferos do que as jibóias."

"Tommy, não piores as coisas por favor. Não ligues Ti, o Ricardo Araújo Pereira só diz disparates."

"Ok, mas... há jibóias em Portugal?"

Sinto que devo regressar rapidamente à paz da minha cozinha. Já vivi o trauma dos tsunamis. Já vivi o trauma dos relâmpagos. Já vivi o trauma dos vulcões. Não estou com vontade de viver hoje (até porque tenho de acabar rapidamente as almôndegas para ir trabalhar assim que a Maria João chegue) o trauma das jibóias.

O Ti não demora mais de dois minutos até me aparecer pelas costas com aquela cara de preocupação que tão bem conheço.

"Mãe... onde é que há jibóias?"

"Nas florestas tropicais."

"Em que florestas tropicais?"

"No Brasil, na Amazónia, por exemplo."

"Isso é América do Sul. E mais? Em África? Na Oceania?"

"Não sei, depois vejo."

"Na Europa não há nenhuma jibóia?

"Só nos jardins zoológicos."

"E não podem fugir?"

"Não."

Respira de alívio. Olha-me muito sério e pede:

"Podes por favor ver todos os países onde há jibóias à solta e dizer-me, para eu ficar saber?"

«Para garantires que nunca lá porás os pés» penso. 
"Sim, assim que termine o que estou a fazer confirmo-te isso. Mas não percas o sono com o assunto até porque, tanto quanto sei, as jibóias são lentas e não costumam atacar os humanos. Apesar de muito grandes são menos perigosas do que outras cobras mais pequenas mas venenosas."

Voltou para a sala. Quando os fui espreitar passados uns minutos só o ouvi perguntar ao Tommy:

"Mas... há cobras venenosas em Portugal?"


2 comentários:

  1. Kkkkkk! Está muito bom!
    Isso dos ovos kinder me fez rir muito! Alguém que produz tal vídeo, alguém que assiste tal vídeo. O Gui fica um tempão assistindo outras crianças a brincar com homens-aranhas ( será que estamos a criar filhos normais????).
    E os medos e preocupações! nem fale! A Filipa foi ouvir falar em escorpiões um pouco antes de irmos ao Brasil... e imagina o resultado? MEDO!
    Incrível essa atração pelo medo que eles têm, não é? beijinhos e bom fim-de-semana!

    ResponderEliminar