Cá por casa, a ida para a cama dos mais novos obedece a um ritual
que consiste geralmente em leitinho, luta de almofadas, grito e choro do
primeiro a magoar-se, disputa acerca do episódio de desenhos animados a ver, grito
e choro do vencido, vinte minutos de televisão, chegada da mãe malvada ao
quarto, mudança súbita de canal, queixume do Ti, choro da Té, queda no sono e,
finalmente, transporte a peso de cada um para a sua respectiva cama. Isto
comigo. Com o pai é mais simples: leitinho seguido de tempo indeterminado para
tudo o que quiserem ver e fazer até à chegada do ‘João Pestana’. Esta segunda técnica,
apesar de muito menos ruidosa tem, a meu ver, a grande desvantagem de demorar
umas boas duas horas.
Num recente serão a meu cargo, chegado o momento de desligar os
desenhos animados, surgem no ecrã imagens da Praça da Independência em chamas. O Tiago
fita a televisão incrédulo:
“O que é aquilo mãe?”
A Teresinha, pára de chorar, põe o dedo no ar e elucida-nos:
“É fogo. Não vêem?”
O Ti encolhe os ombros:
“Boa Teresa… mãe, diz lá o que se passa ali.”
Explico que é uma manifestação violenta numa cidade chamada Kiev, num
país muuuuuito distante, a Ucrânia. Segue-se a pergunta obrigatória:
“Pode acontecer uma manifestação aqui em Portugal?”
“Pode mas não daquele tipo. As nossas manifestações são motivadas
por outras causas e são quase sempre pacíficas, não te preocupes.”
“A manifestação de Kiev é uma guerra?”
Antes que eu responda a Té atalha:
“É fogo, Tiago!”
Continuo:
“Por enquanto ainda não mas as pessoas estão de cabeça perdida e o
governo não quer ceder. Pode vir a originar uma guerra…”
“Uma Guerra Mundial?”
“Não.”
“Então, uma Guerra Nacional?”
“Não, uma Guerra Civil.”
“O que é uma Guerra Civil?”
A Té, indignada perante a nossa incapacidade de entender o óbvio,
grita para que percebamos de uma vez por todas:
“É FOGO! NÃO É GUERRA! É FOGO!”
Apago as chamas com o comando e dou-lhes um beijinho de boas
noites. Fico a vê-los adormecer enquanto penso em quão afortunados somos por
vivermos em paz e em
liberdade. Bons sonhos, meus queridos. Hoje dormem comigo.
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