sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Kiev



Cá por casa, a ida para a cama dos mais novos obedece a um ritual que consiste geralmente em leitinho, luta de almofadas, grito e choro do primeiro a magoar-se, disputa acerca do episódio de desenhos animados a ver, grito e choro do vencido, vinte minutos de televisão, chegada da mãe malvada ao quarto, mudança súbita de canal, queixume do Ti, choro da Té, queda no sono e, finalmente, transporte a peso de cada um para a sua respectiva cama. Isto comigo. Com o pai é mais simples: leitinho seguido de tempo indeterminado para tudo o que quiserem ver e fazer até à chegada do ‘João Pestana’. Esta segunda técnica, apesar de muito menos ruidosa tem, a meu ver, a grande desvantagem de demorar umas boas duas horas.

Num recente serão a meu cargo, chegado o momento de desligar os desenhos animados, surgem no ecrã imagens da Praça da Independência em chamas. O Tiago fita a televisão incrédulo:

“O que é aquilo mãe?”

A Teresinha, pára de chorar, põe o dedo no ar e elucida-nos:

“É fogo. Não vêem?”

O Ti encolhe os ombros:

“Boa Teresa… mãe, diz lá o que se passa ali.”

Explico que é uma manifestação violenta numa cidade chamada Kiev, num país muuuuuito distante, a Ucrânia. Segue-se a pergunta obrigatória:

“Pode acontecer uma manifestação aqui em Portugal?”

“Pode mas não daquele tipo. As nossas manifestações são motivadas por outras causas e são quase sempre pacíficas, não te preocupes.”

“A manifestação de Kiev é uma guerra?”

Antes que eu responda a Té atalha:

“É fogo, Tiago!”

Continuo:

“Por enquanto ainda não mas as pessoas estão de cabeça perdida e o governo não quer ceder. Pode vir a originar uma guerra…”

“Uma Guerra Mundial?”

“Não.”

“Então, uma Guerra Nacional?”

“Não, uma Guerra Civil.”

“O que é uma Guerra Civil?”

A Té, indignada perante a nossa incapacidade de entender o óbvio, grita para que percebamos de uma vez por todas:   

“É FOGO! NÃO É GUERRA! É FOGO!”

Apago as chamas com o comando e dou-lhes um beijinho de boas noites. Fico a vê-los adormecer enquanto penso em quão afortunados somos por vivermos em paz e em liberdade. Bons sonhos, meus queridos. Hoje dormem comigo.

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