quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sing a song



Eu tenho um problema com músicas para crianças. Se, na qualidade de jovem mãe, tivesse sido submetida a uma avaliação formal de desempenho eu teria falhado redonda e repetidamente a matéria “cante para o seu bebé". Por mais que tente, com um bebé no colo, o melhor que consigo fazer é trautear a clássica “abc song”. Qualquer outra canção infantil afoga-se-me na garganta antes de sair. As tradicionais deprimem-me. Não que eu tenha tido uma infância infeliz, longe disso, mas há nas canções do meu tempo uma  clara transversalidade de infortúnio: é um barco que se vira, um balão que foge, uma bola que se perde, uma machadinha que é injustamente atirada para o meio da rua, molhos de plantas que provocam irritações oculares, um malvado dum barqueiro que não dá passagem a uma mãe com filhos pequeninos para criar… enfim, um sem número de tristezas que me dão, ao menos, uma justificação moral para me escusar de as cantar. Quanto às musiquinhas actuais… bom, para essas não tenho, efectivamente, grande desculpa. Irritam-me, porque sim. E eu culpo-me por, mesmo conseguindo ver que são pedagógicas, alegres e construtivas, continuar a achá-las terrivelmente enervantes. Os meus filhos não têm culpa que eu sofra de falta de paciência crónica por isso tenho vindo, ao longo dos anos, a delegar no youtube e no leitor de cds do carro a função “cantar músicas infantis”.

Há tempos, numa ida à Feira do Livro, a Té quis comprar o livro/cd “As canções do Alfa”.

"Tu gostas do Alfa, Té?"
"Sim, góto muito do Alfa e da Zuna! E os meus amigos tamém!"

Espreito as primeiras páginas. O Alfa desceu na escola no seu disco voador, amarelo como o sol, a brilhar cheio de cor. Ele salta a fazer contas, e lê a fazer o pino. Deve ter comido livros quando era pequenino. A Té mostra-me a última, onde está a dita Zuna. A Zuna nasceu bem longe, num planeta extravagante, e passeia de girafa com cabeça de elefante. Parece engraçado. Dou uma rápida vista de olhos ao livroUma canção para cada letra e para cada número. Boa. Toma Tété, o teu livro do Alfa. Ouvimos o cd quando chegarmos ao carro.

Nesse dia ouvimos cinco vezes o hino do Alfa, vinte vezes a música da Zuna e chegámos ao destino sem ter entrado nas canções didácticas. Na manhã seguinte o livro seguiu para o colégio e não mais o vimos. O desaparecimento das canções do Alfa foi lamentado durante todo o verão até o avô o ter descoberto esta semana no porta luvas do carro.

"Teresinha!!! O Alfa apareceu!! Vais poder finalmente ouvir o cd todo!"

Na maior das boas vontades ponho o cd a tocar. Os miúdos escolhem letras e eu vou procurando as músicas respectivas.

"Letra B!"
 O balão da Beatriz... às nuvens foi parar. 

Uma criança está feliz com o seu balão até que o inevitável acontece e... onde é que eu já ouvi esta história?... ressalve-se a inovação de, nas músicas do Alfa, termos um elemento que resgata (potencialmente) o balão... é um pássaro? é um avião? o super-homem? nada disso:

Ai chamem os bombeiros para o irem buscar.

Os bombeiros. Toda a gente sabe que os bombeiros são espectaculares a apanhar balões. Ou não. Mas o que é que, começado por b, poderia apanhar um balão? Um besouro? Muito pequeno. Um beija-flor? Eles não sabem o que é um beija-flor. Ok Alfa, que seja o bombeiro.

"Oh mãe, essa é parva. Os bombeiros não conseguem apanhar balões."
"Pois não meninos, pois não. Deixem lá. Vamos à próxima."

"Letra D!"
O Damião por desporto, joga dados, dominó. E para fazer dieta, são doces e pão de ló.

???

"Escolham outra."

"Letra F!"
O Filipe foi nas férias para a ilha do farol. 

Filipe, férias e farol. Três palavrinhas começadas por f, nenhuma metida a martelo. Boa, Alfa. Esta já não me parece nada mal. Não continuasse com:

Ia lá pescar fanecas para depois fritar ao sol.

Letra H:
O Hélio quis agarrar a hiena no matagal. Levou valente dentada, foi parar ao hospital.

Ponto um: nenhuma criança se lembraria de tentar agarrar uma hiena. Ponto dois: as hienas vivem na savana, não na mata ao virar da esquina. Hi-po-pó-ta-mo não teria sido mais bem escolhido, caro Alfa?

Eu continuo, alfabeto adiante até ao momento em que percebo já ser a única ocupante do automóvel a prestar atenção às canções. 

Letra P:
A Petra põe-se ao piano, parece uma pianista mas, se uma pulga lhe pica, pára de ser uma artista.

Volta bom barqueiro. Estás perdoado. 

1 comentário:

  1. Kkkkkk! Fico imaginando que quem ¨compõe¨ a letra dessas canções, se tiver um sentido de humor apurado, deve rolar de rir criando disparates...Mas, se for uma pessoa que se leva a sério... aí é tonto mesmo!

    ResponderEliminar