segunda-feira, 22 de julho de 2013

rearview mirror



Dez da noite. Partida do Douro com destino a casa após mais um fim de semana de sol e calor.

O Tiago teme pela integridade da carrinha a subir a encosta nas mãos da mãe. Repete a recomendação que ouviu da boca do pai:

“Atenção, que há muita areia no caminho. Faz as curvas com cuidado…”

À medida que o carro avança não se coíbe de transmitir indicações:

“Agora devagar… isso, muito bem.”

“Olha o muro…”

“Achas que consegues passar aí?”

“Estamos quase lá em cima… é melhor recolheres os espelhos…”

“O motor está a fazer um barulho esquisito… cuidado…”

Respira fundo quando chegamos, finalmente, à estrada. Sinto que ultrapassei (em muito) as suas expectativas no que respeita às minhas capacidades de controlo de veículos em percursos difíceis.

“Mãe…”

“Sim, Ti… alguma nota adicional?”

“Não será melhor manteres os espelhos recolhidos? Para não os estragamos.”

“Meu querido, os espelhos não existem para enfeitar. São fundamentais para ver os outros carros.”

“Ok. Para ver os outros carros e também pessoas próprias.”

O Tommy, que, até então, indiferente à possibilidade de resvalarmos precipício abaixo, tinha vindo grudado num Alcatel - comprado nas Festas do Marco aos Hipergémeos Ferreira SA, num pack que incluía além do ‘telemobél vranco’, um secador de cabelo em ‘cromonic’ e uma (imagino que utilíssima) máquina de fazer baínhas - entra na conversa:

“Pessoas próprias?”

“Sim, Tomás. Pessoas próprias. Não digas que não sabes o que é…”

“Não, não sei. Sei o que são nomes próprios…”

Regressa ao menu de contactos do brinquedo novo. Brinquedo dos três, entenda-se, com cartão recarregável (mais uma gentileza dos manos Ferreira) para ser usado em situações esporádicas. 

O Tiago explica:

“Uma ‘pessoa própria’ é aquilo que uma pessoa vê quando está em frente ao espelho. Quando olhas para o espelho do carro vês os outros carros e também vês a TUA 'pessoa própria'. Percebes?”

O Tommy ri e acena afirmativamente.

O Tiago sorri, satisfeito. Sente-se sempre feliz quando tem oportunidade de partilhar o seu saber.

O Alcatel toca.

“Ena! Já recebemos chamadas!!! Atendo eu!"

“Eu também quero falar!”

“Dá o fóne a mim!”

"Larga, Té!"

Olho-os pelo retrovisor enquanto se debatem pelo valioso aparelhinho. Respiro fundo e faço sinal à minha 'pessoa própria' para ter paciência. Ainda há uma hora de viagem pela frente.


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