Final de Outubro. Abertura oficial da caça à gripe e à constipação.
“Mãe… dói-me a garganta…”
“Estás um bocadinho quente… abre lá a boca e diz ‘háááááá’…”
“‘hááááááááá’….. pontos brancos?”
“Yep. Não vais poder ir às aulas. Como é que é que é possível
estares doente outra vez?”
Esboça um leve sorriso e faz a pergunta de sempre:
“E o treino?”
“Esquece o treino.”
O mundo não é, definitivamente, um lugar justo. Dá meia volta e segue
para o quarto. Pelo caminho agarra um Astérix. Se não há hora para levantar também não há
hora para dormir.
A Té, que está com tosse, passeia-se em redor das minhas pernas na
esperança de ouvir um “também ficas em casa”. Faço-lhe uma festinha na cabeça e
desmonto-lhe a expectativa:
“Vamos lá tomar o xarope, beber o leitinho e dormir, que amanhã há
colégio.”
O Tiago, não tendo ainda sentido qualquer sintoma premonitório de uma segunda-feira
chuvosa passada no aconchego do lar, já tem a mochila e o casaco estacionados no hall de entrada e está de pijama no sofá a aguardar resignadamente o toque de recolher.
“Tiago…”
“Sim, mãe…”
“Tens tudo na mochila? Que papel é este a dizer 'soletração'?"
“Era para treinar, mas já não preciso.”
“Treinar para quê?”
O Tommy ouve ao longe a conversa e aparece a correr:
“Soletração? Vi um grande cartaz no colégio sobre um concurso de
soletração. Pensei que era para os crescidos dizerem aquelas palavras difíceis tipo
otorrinolaringologista… afinal é para o primeiro ciclo? Estás a participar, Ti?”
O Tiago acena afirmativamente. Sem tirar as mãos (e o os olhos) do iPad, diz
num tom desinteressado:
“Sim, estou a participar. Vou à final, amanhã. Ainda bem que falas nisso. Já me ia
esquecer de avisar a mãe que tenho de levar gravata. Mããããeee! Preciso da
gravata!”
Hoje, à saída do carro, depois de lhe dar um jeitinho ao nó da
gravata abracei-o com força:
“Vai correr bem, meu querido. Tem calma e… boa sorte!”
Sorriu-me, com aquele seu sorriso condescendente:
“Obrigado mãe, mas eu não preciso de sorte. Sei que não me vou enganar.”
Fiquei ao portão, à chuva, a vê-lo, qual homenzinho em miniatura, arrastando
o seu trolley do 'Dusty' até desaparecer para o interior do edifício.
Boa sorte, meu amor, boa sorte.
(*) Ralph Waldo Emerson
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