Circunvalação. Segunda-feira. Sete e meia da
manhã.
Um manto denso de nuvens pinta de noite o dia que acabou de nascer. Pedrinhas de granizo salpicam o pára-brisas.
"Já viste como está frio lá fora, Ti?"
Viu mas não responde. Vai calado, no banco de trás, aparentemente alheio à minha conversa sobre o tempo. Podia perguntar-lhe "o gato comeu-te a língua?" mas não me parece a pergunta mais adequada a fazer a uma criança que está prestes a entrar num bloco operatório para ficar sem amígdalas e sem adenóides.
O aperto que sinto no estômago aumenta a cada semáforo que vira verde. Digo para mim mesma que não tenho razão para me preocupar. É uma intervenção simples. Metade das pessoas que conheço já foi operada à garganta. Não há como correr mal. Haver há, mas a probabilidade é pequena. Muito pequena. Mas existe. Odeio probabilidades. Olho as pedrinhas de gelo no vidro. Tão frágeis, tão efémeras. Como nós, no Universo.
Olho-o pelo retrovisor e esboço um sorriso. Quero sossegá-lo mas as palavras esfumam-se antes de sair. Ele sorri de volta e, como que lendo o pânico que me vai na alma, rompe o silêncio com um:
"Sabias que o pólo sul é três vezes mais frio do
que o pólo norte?"
"Acho difícil que assim seja. Quem é que te disse
essa?"
"Ninguém, mas é lógico."
"Explica lá a lógica, então."
"Mãe... os pinguins gostam de muito, muito, muito
frio. O Pai Natal só gosta de muito frio."
Rio-me. Não está de todo mal pensado. Último semáforo antes do Hospital. Respiro fundo. Olho as pedrinhas de gelo no vidro. Penso nos pinguins. Penso no Pai Natal. Vai correr bem.
Correu tudo bem, não é?
ResponderEliminarEu sei o que é essa dorzinha no coração que nós sentimos. O meu Gui com 2 anos já fez duas pequenas cirurgias e correram bem, mas a angústia, essa é uma constante nesse dia!