terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

monday morning icebreaker



Circunvalação. Segunda-feira. Sete e meia da manhã. 

Um manto denso de nuvens pinta de noite o dia que acabou de nascer. Pedrinhas de granizo salpicam o pára-brisas.

"Já viste como está frio lá fora, Ti?"

Viu mas não responde. Vai calado, no banco de trás, aparentemente alheio à minha conversa sobre o tempo. Podia perguntar-lhe "o gato comeu-te a língua?" mas não me parece a pergunta mais adequada a fazer a uma criança que está prestes a entrar num bloco operatório para ficar sem amígdalas e sem adenóides. 

O aperto que sinto no estômago aumenta a cada semáforo que vira verde. Digo para mim mesma que não tenho razão para me preocupar. É uma intervenção simples. Metade das pessoas que conheço já foi operada à garganta. Não há como correr mal. Haver há, mas a probabilidade é pequena. Muito pequena. Mas existe. Odeio probabilidades. Olho as pedrinhas de gelo no vidro. Tão frágeis, tão efémeras. Como nós, no Universo. 

Olho-o pelo retrovisor e esboço um sorriso. Quero sossegá-lo mas as palavras esfumam-se antes de sair. Ele sorri de volta e, como que lendo o pânico que me vai na alma, rompe o silêncio com um:

"Sabias que o pólo sul é três vezes mais frio do que o pólo norte?"

"Acho difícil que assim seja. Quem é que te disse essa?"

"Ninguém, mas é lógico."

"Explica lá a lógica, então."

"Mãe... os pinguins gostam de muito, muito, muito frio. O Pai Natal só gosta de muito frio."

Rio-me. Não está de todo mal pensado. Último semáforo antes do Hospital. Respiro fundo. Olho as pedrinhas de gelo no vidro. Penso nos pinguins. Penso no Pai Natal. Vai correr bem.


1 comentário:

  1. Correu tudo bem, não é?
    Eu sei o que é essa dorzinha no coração que nós sentimos. O meu Gui com 2 anos já fez duas pequenas cirurgias e correram bem, mas a angústia, essa é uma constante nesse dia!

    ResponderEliminar