Não lido bem com a morte. Ninguém lida, acho. De todas as
'conversas difíceis' a da morte é, sem margem para dúvidas, a que mais me
incomoda. Não há como brincar com a morte, não há como fingir que a morte não
se vai atravessar no nosso caminho. Podemos dizer aos nossos filhos que o avião
não vai cair, que não vai haver um tsunami, que a trovoada não vai acertar na
nossa casa. Não podemos dizer que não vamos morrer.
Começo sempre por apresentar a morte como
algo que só acontece num horizonte temporal demasiado longínquo para nos
preocuparmos muito com ela. É menos complicado abordar a inevitabilidade
da morte enquanto os miúdos estão convencidos de que esta só surge quando somos
muito, muito, muito velhinhos. A Té ainda está nessa fase.
"Mãe, sabias que o Xoão do quado
morreu?"
"De que João estás a falar, minha
querida?"
"Do Xoão ca minha pofessora ensinou.
Ficou veínho e morreu, cóitadinho..."
"E está num quadro?"
"Não mamã! O Xoão do quado! O Xoão
Miró! O quado que pintámos na sala!"
"Ahh, já percebi. Joan Miró. Foi um
grande pintor espanhol."
"Sim, a minha pofessora disse. E
disse que morreu. Cóitadinho."
"Não é coitadinho, Teté. O Miró viveu
cem anos! E fez muitas coisas maravilhosas ao longo da sua vida. Como o quadro
que pintaram na escola, por exemplo."
"Mas morreu..."
"Pois morreu, tinha de morrer um
dia."
"Tu vais sê veínha, mamã?"
"Sim, se Deus quiser, vou ser
velhinha."
Lança-me um olhar gozão. Está certamente a
imaginar as marcas que o tempo há-de deixar em mim e, pelos vistos, acha graça
à minha versão bisavó. Passados uns instantes fica séria. Afasta a franja dos
olhos e pergunta a medo:
"E vais morrer?"
É nestes momentos que eu anseio por uma campainha
que me salve. Nunca toca. Respiro fundo.
"Sim, meu amor. Um dia, daqui a
muito, muito tempo, quando tu também já fores um bocadinho velhinha, eu hei-de
ir para o Céu."
"Vais a voar?"
"Não sei, logo vejo."
Sinto que a tensão está a desanuviar mas
antes que consiga mudar de assunto ela volta à carga:
"E eu? Vou morrer?"
Era exactamente aqui que eu queria evitar
ter chegado. Recuso-me a dizê-lo. Mais, recuso-me a pensar no assunto.
Saio-me com um:
"Quando fores muito velhinha, como o Miró, já deve haver medicamentos que permitam às pessoas viver para sempre."
Os seus olhinhos iluminam-se e um sorriso rasgado abre-se na sua carinha linda.
"Vai ser em xarópe? Eu góto de xarópe!"
Caramba, dá um nó na garganta. O meu filho de sete anos perguntou-me no outro dia. "Mãma, o que acontece quando morremos?" "Respondi automaticamente "Tornamo-nos anjos e ficamos a tomar conta dos cá ficam". Maldita resposta, que me trouxe depois um sem fim de perguntas como "Nós podemos ver os Anjos? Como é que eles tomam conta de nós? Onde é que eles dormem?" Ai, que este assunto custa tanto!!! Célia da Alemanha
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