terça-feira, 10 de junho de 2014

"I intend to live forever, or die trying" (G. Marx)



Não lido bem com a morte. Ninguém lida, acho. De todas as 'conversas difíceis' a da morte é, sem margem para dúvidas, a que mais me incomoda. Não há como brincar com a morte, não há como fingir que a morte não se vai atravessar no nosso caminho. Podemos dizer aos nossos filhos que o avião não vai cair, que não vai haver um tsunami, que a trovoada não vai acertar na nossa casa. Não podemos dizer que não vamos morrer.

Começo sempre por apresentar a morte como algo que só acontece num horizonte temporal demasiado longínquo para nos preocuparmos muito com ela. É menos complicado abordar a inevitabilidade da morte enquanto os miúdos estão convencidos de que esta só surge quando somos muito, muito, muito velhinhos. A Té ainda está nessa fase.

"Mãe, sabias que o Xoão do quado morreu?"

"De que João estás a falar, minha querida?"

"Do Xoão ca minha pofessora ensinou. Ficou veínho e morreu, cóitadinho..."

"E está num quadro?"

"Não mamã! O Xoão do quado! O Xoão Miró! O quado que pintámos na sala!"

"Ahh, já percebi. Joan Miró. Foi um grande pintor espanhol."

"Sim, a minha pofessora disse. E disse que morreu. Cóitadinho."

"Não é coitadinho, Teté. O Miró viveu cem anos! E fez muitas coisas maravilhosas ao longo da sua vida. Como o quadro que pintaram na escola, por exemplo."

"Mas morreu..."

"Pois morreu, tinha de morrer um dia."

"Tu vais sê veínha, mamã?"

"Sim, se Deus quiser, vou ser velhinha."

Lança-me um olhar gozão. Está certamente a imaginar as marcas que o tempo há-de deixar em mim e, pelos vistos, acha graça à minha versão bisavó. Passados uns instantes fica séria. Afasta a franja dos olhos e pergunta a medo:

"E vais morrer?"

É nestes momentos que eu anseio por uma campainha que me salve. Nunca toca. Respiro fundo.

"Sim, meu amor. Um dia, daqui a muito, muito tempo, quando tu também já fores um bocadinho velhinha, eu hei-de ir para o Céu."

"Vais a voar?"

"Não sei, logo vejo."

Sinto que a tensão está a desanuviar mas antes que consiga mudar de assunto ela volta à carga:

"E eu? Vou morrer?"

Era exactamente aqui que eu queria evitar ter chegado. Recuso-me a dizê-lo. Mais, recuso-me a pensar no assunto. Saio-me com um: 

"Quando fores muito velhinha, como o Miró, já deve haver medicamentos que permitam às pessoas viver para sempre." 

Os seus olhinhos iluminam-se e um sorriso rasgado abre-se na sua carinha linda. 

"Vai ser em xarópe? Eu góto de xarópe!"




2 comentários:

  1. Caramba, dá um nó na garganta. O meu filho de sete anos perguntou-me no outro dia. "Mãma, o que acontece quando morremos?" "Respondi automaticamente "Tornamo-nos anjos e ficamos a tomar conta dos cá ficam". Maldita resposta, que me trouxe depois um sem fim de perguntas como "Nós podemos ver os Anjos? Como é que eles tomam conta de nós? Onde é que eles dormem?" Ai, que este assunto custa tanto!!! Célia da Alemanha

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